Trinta anos depois



01/04/98


Já se vão mais de trinta anos.... ora, ora: trinta anos, para muitos jovens, é o limite do razoável. Apesar do elogio de Balzac, para muita mulher jovem a terceira década aparece, da mesma forma, como uma ameaça sombria. Na vida de uma estrela... não dona Sabrina, não falo das estrelas de cinema, aquelas, que em nossas infâncias usavam todas o mesmo sabonete, ou quase todas - nove entre dez, dizia o anúncio, lembra? - não. Falo das estrelas que povoam o céu, noite e dia, mas que só nos é dado ver à noite, ofuscadas que ficam pelo brilho maior da que está mais perto, chamada Sol e, de preferência, bem longe das grande cidades e, se possível, nas noites de breu, sem Lua. Sabe, dona Sabrina, são belas essas estrelas também. E como! Na vida de uma estrela, no entanto, 30 anos são um átimo, como uns centésimos de segundo nas nossas...

Aqueles que cogitavam da possibilidade de algum usurpador estar tomando o lugar do eterno aprendiz de cronista, devem estar tranqüilos agora. Todo mundo sabe o que quer dizer e - o que é fantástico - dizem. Dizem o que querem, sem inúteis divagações. Só o clode.kubrusly@gmail.com é capaz de se perder assim. Queria apenas dizer que, há trinta anos, a enfoco - escola de fotografia começou a funcionar, numa salinha de nada na avenida Paulista... Pronto, disse! Começou, mas nem "ela" sabia que ia virar escola. Começou como um simples curso enfoco, fadado, quiçá, apenas àquela tentativa, que poderia se frustrar ao fim de alguns meses ou mesmo antes.

No entanto, a coisa engrenou e o número de alunos crescia a cada ano. (Isso só, para mim, já era coisa de assombrar: a idéia de que uma firma, para "dar certo" tem que crescer sempre. Também não posso evitar de associar as coisas que crescem sempre aos tumores malignos... Cada organismo tem um tamanho ideal, grande ou pequeno que, atingido, deveria permanecer até a morte.) Quando me neguei a participar de todos os "jogos de mercado" para que a coisa continuasse a crescer indefinidamente, a escola começou a diminuir, muito mais rápido do que tinha crescido, e morreu.

Por que mesmo que comecei com tudo isso? Ah, sim, apenas para mencionar um detalhe e fazer uma associação. No primeiro ano da escola, o último dos anos sessenta, houve alguns bolsistas, gente que alegou não poder pagar, pois o curso era caro, por natureza. Um certo número de pessoas, o recebeu de graça, bolsa integral. Para minha surpresa, essas pessoas se mostraram os alunos menos interessados, com maior número de faltas que, em alguns casos, até abandonaram o curso... Ora, as turmas eram pequenas (12 alunos, no máximo, número rigorosamente respeitado inclusive por razões técnicas, como número de ampliadores, etc.) e um bolsista estava efetivamente recebendo uma vaga, que não poderia ser preenchida depois de iniciado o curso...

Depois dessa experiência ficaram proibidas bolsas integrais. Quem não podia pagar integralmente, pagava o quanto podia, mas pagava. Ganância? Não, pura didática. Alguns bolsistas pagavam dez porcento do preço normal mas, para eles, aquilo pesava. Acabaram-se os bolsistas aventureiros, que abandonavam o curso pelo meio, como quem deixa passar um ônibus para pegar o próximo...

Este era o detalhe que queria destacar e obrigou-me a mencionar a enfoco; agora, a associação. Graças a bagunça que se instalou nas universidades brasileiras, com a fenomenal corrida às aposentadorias, diante da possibilidade de acabarem as regras protecionistas vigentes, nas tais reformas que os políticos fingem que vão fazer, fui convocado para tapar buraco, como professor de roteiro na emblemática USP...

Foram somente duas aulas e para alunos revoltados com toda a situação gerada pela corrida às aposentadorias. Por isso, poderiam dizer que minha visão é leviana e precipitada. Em defesa tenho apenas o fato das mais de duas mil aulas dadas na enfoco e quase mil alunos, como eventuais testemunhas...

Sabe-se e fala-se muito que a grande maioria que consegue chegar à USP não vem das camadas mais pobres e, parece, isso vale para todas as universidades de país. O fato é que uma cadela cuida com todo zelo de sua ninhada, mas nem por isso deixa de rosnar e até morder (na medida certa) os filhotes, quando necessário. Depois de duas aulas que valem por quatro - sim, há essa aberração para compensar o péssimo salário dos professores: as duas aulas de cada um são agrupadas numa aulona de quatro horas. Um absurdo! - depois de duas aulas, dizia, fico com a nítida impressão que se cada aluno pagasse o que pudesse todos estariam muito mais interessados...

Não, dona Sabrina, não é primeiro de abril...



|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|