'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

A borboleta amarela

05/04/12

Declina a lua sobre o poente, quase cheia. Amanhã, às 19h20 GMT, ocorre a oposição ao sol que assinala o plenilúnio. Nestas paragens a madrugada segue silenciosa, salvo pelo ronco duradouro de uma aeronave que, há pouco, inundou os ares.

Alguns grilos ainda insistem em suas cantadas. As aranhas continuam mudas como na piada. O relógio escorre vagarosamente, ainda que a areia seja apenas metafórica e a personagem questione: qual a melhor coisa do mundo? Para ouvir de outra: um copo de água fresca quando se tem muita sede.

Só quando a sede é muita se compreende esta valoração. Fizemos a vida complicada demais e ao tentar resolver os problemas, aumentamos a complicação. O telefone não chamará, a campainha não vai tocar, logo a aurora surgirá no leste e continuaremos a ser levados com o Planeta em sua dança velocíssima.

O sol já vai alto na abóbada. Uma borboleta amarela esvoaça contra o azul impecável do céu. Instantâneo cujo registro existe apenas em mim. Talvez fosse mais correto dizer filminho em vez de instantâneo pois o voo do inseto se estende no tempo, mas filme ou foto assinalam a mesma ânsia de registrar - o colecionador está em nós. Queremos possuir, acumular coisas nos museus de nossas vidas. Vício antigo - antes da fotografia e do cinema e do vídeo, era o desenho, a pintura, a escultura. Aliás, grandes artistas encheram de histórias, em belas imagens, as paredes paleolíticas - demonstração escancarada da futilidade da academia.

Por que essa volúpia de reter, de interromper o fluxo da vida? Nos apegamos à imagem de um momento de felicidade, mas a felicidade daquele momento não existe mais. Criança, gostava de ir ao Museu da Quinta da Boa Vista, mas ignorava completamente o passado ali retratado.

A borboleta amarela há muito se foi. A lua voltará com o pôr do sol, cheia.

Thu, Apr 05, 2012 11:07 am

Clode,
Me lembrei dos passeios no parque Trianon com os meninos pequenos...saudades
Rosely Nakagawa

Estava absolutamente apagado de minha memória, mas ao ouvi-la, lembrei-me...
O tempo é surpreendente.


Thu, Apr 05, 2012 3:11 pm

Belo...belíssimo! Amei, adoro as borboletas amarelas e o plenilunio. Estou emocionada com o seu filme. Aqui em Paraty onde estou,para descansar umpouco, 5 dias. Acabo de ver 03 micos leões. Lindos. Na arvore, um Flamboiant sem flores.aqui a natureza esta ainda intacta. mil sons de mil tipos de aves. Muitas borboletas amarelas. Enfim férias abençoadas. Beijos

maria helena serrano

Que bom! Obrigado. Somos cheios de filmes e fotos.


Thu, Apr 05, 2012 4:16 pm

q lindo
é verdade, sempre queremos segurar o q nos escorre entre os dedos e já se foi
bjs muitos
Maren

diria mamãe: águas passadas não movem moinho.


Fri, Apr 06, 2012 10:48 am

lindo! nao conheço a piada da aranha.

Papai contava: um pai (o português, no original) tenta provar ao filho que a aranha ouve com as patas. Bate no tampo da mesa e a aranha foge. Depois de arrancar as oito patas, ele bate e a aranha não se move...


Fri, Apr 06, 2012 12:17 am

Muito bonito!
Não é novidade,vc sempre escreve e coloca suas imagens e pensamentos de uma forma muito bonita.
Bjo,Brte

Que bom que você gosta! Obrigado.


Sat, Apr 07, 2012 10:46 am

Linda sua crônica, Clode.

Quando a li, lembrei-me desta foto feita por uma das pessoas mais incríveis que conheci, Michel Random, personalidade importante da Transdisciplinaridade. Ele além de fotógrafo, foi escritor, poeta, filósofo, cineasta e crítico de arte.

Querendo saber algo sobre ele, acesse a apresentação que fiz em http://prezi.com/tip-o5o49pir/homenagem-do-cetrans-a-michel-random/ para o CETRANS.

Boa páscoa com lindo plenilúnio!

Beijos da Vera

Houve um apagão (corriqueiros aqui) no dia da lua cheia.


Sat, Apr 07, 2012 3:22 pm

Nós ignorávamos muuuuuuitas coisas, né?

Faz parte da infância. E da adolescência, da meia idade, da idade inteira e das fatias finais, né?

A gente ignora...
bjo, meu irmão



Criança, gostava de ir ao Museu da Quinta da Boa Vista, mas ignorava completamente o passado ali retratado.

      sem assinatura

Anyway, adorava ir à Quinta, misto de museu e zoológico... (com aquele limitador de altura, para permitir a entrada gratuita dos pequenos)


Sun, Apr 8, 2012 at 11:57 PM

A borboleta amarela... há muito se foi. Ou ainda está. Aqui.
Ela é simples no meio de tanta confusão póstuma: o que aconteceu já foi, e a dor nunca foi tão fácil de entender.
Esta é uma crônica íntima, que cresce no meu conhecimento familiar da granja, e das mil histórias que ela tem.
A lua voltará com o pôr do sol, cheia. Continues com a virtude viciante, e não viciosa, de guardar. Utilizes um pouco do amarelo que ainda há em ti, nessas horas de luar. Te despregues, mas apenas se fores como antiga borboleta, batendo as asas como tantas outras que voam nesse instante.

Beijos emocionados do Mig.

Meu neto, você é um presente preciosíssimo. Obrigado por suas lindas palavras. Beijo do vô emocionado.

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