detalhe de desenho de Anucha

(de esporadicidade imprevisível)

A coletivização

28/09/18

Há dezessete anos, dezessete dias após o ataque às torres gêmeas do World Trade Center, saía aqui um texto de alguém mais jovem e mais imaturo, movido pelo ímpeto de maiores doses de diferentes hormônios e, sem dúvida, com uma arrogância maior, pois ela decresce dos verdes anos até a velhice.

Surpreendeu-me, agora, aquele credo a delinear com razoável precisão um modo de perceber a vida e seus mistérios ainda hoje persistente em mim. Sim, a Vida continua a me parecer algo além das explicações biológicas, genéticas etc.. Maravilha-me profundamente o "milagre" de uma rocha bruta se desdobrar em mosquitos, hienas, líquens, caracóis, cebolinha, harpias, polvos, orquídeas, corais, bactérias, fungos e muito mais.

O encantamento, todavia, não me leva a acreditar em um Ser acima da razão — do que o "cérebro coletivo" pode explicar à humanidade — como arquiteto e engenheiro de todas as deslumbrantes formas de vida e de seus complicadíssimos entrelaçamentos de dependência e parentesco.

Aos poucos a humanidade aprende ser o coletivo mais importante que o individual. O passo seguinte à individuação da Psicologia é a coletivização, a compreensão da relevância da ação coletiva, somatório das ações individuais. A Evolução é um processo extremamente vagaroso. Estamos mal costumados com a velocidade estonteante do desenvolvimento científico e tecnológico...

O egocentrismo idealizou o indivíduo eterno — seja através de algum tipo de paraíso ou ao longo de infindáveis reencarnações — no entanto, talvez a eternidade esteja muito mais próxima da sucessão das gerações e, mesmo assim, seria uma "eternidade relativa" com fim em alguma data distante.

Como assinalado há 17 anos, apesar de eventualmente bela, é morta a folha conservada entre as páginas de um livro. A beleza da Vida está na certeza da morte.

Fri, 28 Sep 2018 11:59:49 -0300

adoro a última frase. Tudo muito bem escrito, como sempre, impressionante o seu encadeamento de ideias, quem me dera chegar à sua idade assim com essa clareza mental, cristalina.
Só tiraria a vírgula entre sujeito e verbo; nesse tipo de frase, nem o Suassuna...
eternidade esteja, muito mais próxima

      sem assinatura

Assim seja e se fará. Obrigado pelo copidesque.

Você verá que chegará a minha matusalênica idade melhor e mais lúcida - você não é diabética. Mas falta muito, muito tempo. Sou um desastre com a pontuação também!

Merci. Fico todo prosa com seu estímulo.


Fri, 28 Sep 2018 10:17:30 -0700 (PDT)

NOssa, Clode, que filosofico, poetico.
Gostei muito do coletivo mais importante que o individual
a compreensão da relevância da ação coletiva, somatório das ações individuais


Nota de rodape - Reencarnacoes, no Budismo, nao tem nada a ver com egocentrismo. Nao tem a ver com ego. Alias, o ego e uma "ficcao", nao tem uma natureza real e duradoura, como gostamos de pensar.

      sem assinatura

Obrigado. Parece mesmo existir no "inconsciente coletivo" um movimento em direção ao coletivo em detrimento da valorização do indivíduo.

fFico surpreso: não seria a mesma pessoa, a individualidade pessoal a reencarnar através dos tempos?

O ego é o eu, ou não? A essência do indivíduo, certo?

Eu não gosto de pensar, penso. Somos Homo verbalis, logo, pensamos.


Sat, 29 Sep 2018 20:38:19 -0300

Eu achei linda a frase : ela decresce dos verdes anos até a velhice" quando você fala do "milagre" vejo que você acredita secretamente na imortalidade ou em deus.Agora dizer que "a beleza da vida está na certeza da morte" não me parece a mim.

      sem assinatura

Eu acho sábias sua observações, inclusive o modo de apresentá-las. Obrigado quando ao gosto pela frase. Se houver a tal crença secreta, até eu a ignoro. Não acredito em nenhum Deus e, muito menos, na imortalidade. A crônica é bem clara quanto a isto e a própria frase com a qual você não concorda nega a hipótese de crer na imortalidade.

Chamo de milagre por achar extraordinário termos uma Lua, logo ali, apenas de rocha e solo estéril e aqui, com água, contarmos aqui com mais de oito milhões de diferentes espécies de vida.

|home| |índice das crônicas| |mail|  |anterior|

2458390.06090.1795