A dama do vestido azul

19/04/18

Eram tempos difíceis para o mensageiro do Rei. Intempéries se lhe sobrepunham sem qualquer brecha para recuperação. Emagrecera além do saudável, seu rosto se afundava sob os malares. Suas roupas pareciam herdadas de alguém mais volumoso. Naquele estado era difícil compreender. Perambulava qual espantalho pelos corredores sombrios do palácio real.

Aconteceu num desses intermináveis corredores, num final de tarde. O mensageiro do Rei se dirigia para o anfiteatro onde sua Majestade, o Rei, faria uma proclamação. Todos os súditos convergiam para o local como claque inescapável. O mensageiro acompanhava o cardume quando, por uma porta entreaberta à sua esquerda vislumbrou uma imagem airosa, flutuante e azul, que o nocauteou.

O corredor da ala esquerda era escuro e a porta se entreabria apenas em uma faixa estreita a mostrar o interior do aposento e, por isto, só exibia uma fração de segundo da cena interna ao olhar de quem caminhava, como o mensageiro do Rei. Mas bastou-lhe o instantâneo. Retrocedeu dois passos e pode, então, contemplar com calma um rosto forte, emoldurado por vasta cabeleira negra anelada, apesar do contraluz das janelas. Com ele um corpo bem desenhado sob um vestido azul rodado, a mostrar sem preconceitos colo e ombros bem traçados.

O mensageiro do Rei teve dificuldade para entender o que se passava, não no interior do cômodo, mas dentro de si. Num átimo de tempo via tudo sob nova luz. Parecia-lhe ter eleito, à distância e sem uma única palavra trocada, aquela desconhecida como razão máxima de ser de sua existência. Ali parado, no sombrio corredor do palácio real, pareceu-lhe saber-se capaz de atos heroicos ou desatinados pela desconhecida em seu esvoaçante vestido azul. Se acreditasse em fadas diria ter sido tocado pela vara mágica de uma delas naquele instante.

seguimento

Thu, 19 Apr 2018 09:52:10 -0700 (PDT)

estah tudo na mente .... hehehe

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Muito sábia sua observação.


Thu, 19 Apr 2018 09:55:24 -0700 (PDT)

extremamente bem escrito e envolvente

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Obrigado.


Sat, 21 Apr 2018 19:11:35 -0300

nossa, que incrível, de onde saíu isso?
Confesso que da primeira vez que comecei a ler desisti por causa do “Rei”, avessa a histórias “de época”, dessa época aí de vestido rodado e ombros e colos à mostra e claque para o rei.
Mas adorei. E claro que precisa de uma “parte 2”, ra ra ra.
Você parou com essa onda de dizer que não sabe escrever ficção, né?

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Não, ainda não, mas estou procurando aprender.
No fundo o Temer, o Alkimin e muitos outros são os nossos Reis...
O que você quer dizer com parte 2?


Wed, 2 May 2018 12:53:37 -0300

Na verdade eu sempre achei que você queria ser ela naquele segundo.
Ela a dama de vestido azul.
Que bom que isso é fugaz.

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Bem, agora cabe perguntar: em que segundo? No memento do vislumbre primeiro?

Sim, ainda bem que é passageiro...

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