Crônica do dia

 

A mala

31/03/05

No começo do ano letivo, vi uma menina que ia rua abaixo com uma grande mala de levar e trazer petrechos escolares. Era vermelha, de alça retrátil, com duas rodas minúsculas e inúteis na ladeira irregular, cheia de pedras e buracos. A pequenina tentava carregar a mala pela alça metálica, mas como eram quase do mesmo tamanho, a mala com a alça esticada e a menina, não era fácil. Precisava se curvar um pouco para evitar que as rodinhas inúteis raspassem no chão...

A cena chamava atenção e era hora de levar e trazer criançada para escola. Defronte de casa, um lotação escolar ofereceu carona à menina. Ela disse que não, com um gesto e recuou, demonstrando medo. O carro fez meia-volta, pois iam em direções opostas e parou bem na minha frente, que assistia a tudo sem ser visto, por trás de uma trepadeira.

Abriu-se a porta de correr e uma mulher insistiu muito para levar a menina até sua casa. Sem emitir um som, ela rejeitou com firmeza. Os transportadores desistiram, fizeram outra manobra e subiram. A pequenina desceu com sua carga.

Tempos depois, voltava para casa e encontrei com a menina e sua mala. Tentei conversar. No início, ela me olhou desconfiada e calou. Perguntei se não dava para puxar a mala e usar as rodinhas, em vez de carregar. Sem dizer nada, ela colocou a mala no chão e puxou. Sempre em silêncio, tornou-se óbvio ser impossível. Perguntei seu nome. Ela murmurou algo. Insisti e, finalmente, começou a falar: chamava-se Maria. Ofereci para carregar a mala. Não quis. Adiante, nos despedimos e ela seguiu.

Há alguns dias, latidos furiosos me levaram ao portão na hora do almoço. Maria vinha com a mala vermelha. Ao me ver veio espontaneamente se abrigar no recuo do portão, parecia assustada com a gritaria dos cachorros. Conversamos um pouco. Dessa vez ficou à vontade. Tem oito anos.

 

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