autor, circa 1996  Crônica do dia

À 'Forest Gump'

13/08/07

Como a pluma que desencadeia 'Forest Gump', caiu-me aos pés evocação do que me ocorreria na tarde ímpar de 31 de março de 1964. Nada, até sair do 300, da Rui Barbosa. Antes de sair do prédio, nada fazia daquela uma tarde especial. Fora, tudo mudou, até para a mais alienada testemunha dos primeiros vestígios de graves desarranjos.

Tom Hanks - da internet
Tom Hanks em Forrest Gump

Que havia? Nada! Ruas desertas, cidade fantasma, ninguém, nenhum carro em nenhuma direção, nenhum lotação - o que eu procurava - nenhum ônibus, nada! Sem escolha, o jeito era seguir, qualquer que fosse a direção. Perplexo, segui na direção oposta a meu destino, na esperança de vir alguma condução.

Mundo estranho, quando se vira ermitão sem escolher e se sente dono, sem ser, de tudo em volta! Depois de vários quarteirões, abandonei a Praia do Flamengo - na época, fazia-se o Aterro - e entrei pela Paissandu. Ali deveria ter algo aberto - botequim, farmácia, pronto-socorro, qualquer coisa - um mendigo implorando pão!

Nada! Silêncio. Era óbvio que não encontraria gente, condução nem informação. Peguei meu rumo, gostava de caminhar. Aí, topei com um caminhão de lixo deitado no meio da rua, bem no meio da Paissandu, que começa na porta do Palácio da Guanabara! Foi o primeiro esclarecimento. Depois, de soldados ou guardas, ouvi de guerra, golpe, revolução - algo assim. Contra pólvora é inútil argumentação. Insistiram: nem um passo mais, a única possibilidade, voltar.

De volta à praia, peguei o rumo da Cinelândia. Estava cheio de gente e tinha muita agitação. Explicava-se que "os tanques" viriam a qualquer momento para "salvar" Jango, ilhado num Palácio - das Laranjeiras?, Guanabara? -, não lembro.

O Acaso pega o mais alienado e o põe no meio do palco: a Cinelândia é toda excitação. De repente, dois tiros. Abre-se um claro na multidão. Seriam os únicos tiros, creio, na porta do Clube Militar.

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