Lei de Deus


22/08/97

Não sei se você já se perguntou qual é a coisa que nós, seres humanos, mais desejamos em nossa infinita imperfeição. Não é uma pergunta fácil de responder, por conta mesmo de tantas imperfeições e tantos quereres. A inveja dos deuses, a consciência dessa miserável condição, é forte concorrente, pois os deuses, existam ou não, sempre poderemos imaginá-los livres de, digamos, ter que atender aos imperativos de uma súbita e fulminante dor de barriga, quando se está a léguas de distância de qualquer banheiro conhecido e, pior ainda, numa região velha e suja do centro da cidade... Eu, confesso que invejo nos deuses o fato de não precisarem comer. Comem se quiserem, deleitam-se com ambrosia, néctar e mel, mas diante de qualquer interesse que os ocupe, nenhuma fome virá para avisá-los que é preciso se alimentar. Ah, como seria bom estar livre dessa obrigação! Volto, então a nosso tema. Não, não é fácil saber o que os pobres humanos mais desejam.

Isto, do nosso ponto de vista, é claro. Já, ao que tudo indica, na perspectiva de Deus, do Deus do judeus, depois importado e adaptado para um sem número de outras seitas, havia um desejo humano tão forte, que Jeová, com o alcance de sua onisciência e a privilegiada visão da eternidade, achou por bem proibir, não uma, mas duas vezes, na popular Lei de Deus. Já tinha pensado nisso? Do ponto de vista meramente estatístico, é fantástico: 20% das preocupações divinas se ocupam de um único de nossos desejos! Perdão pela insistência, mas pense bem nisso: Jeová, como legislador onipotente, faz lá sua constituição, sucinta como a dos Estados Unidos - apenas dez mandamentos. No entanto, volta duas vezes ao mesmo ponto, para proibir a mesma coisa. Da primeira vez é categórico: não pode e pronto. Depois, como dizem que é melhor prevenir, que remediar, proíbe até o desejo escondido, o querer apenas em pensamento!

Está lá, um mandamento diz: "não cometerás adultério" e outro, "não cobiçarás a mulher do próximo". As tábuas - é bonito ouvir dizer: tábuas da lei! - pois as tais tábuas, que são de pedra, são omissas quanto à mulher. O detalhe parece insignificante, já que para Jeová, deveríamos ser todos, apenas, meros mortais. Mas, por que não falou: o cônjuge do próximo? Por horror à palavra? Sei, elas, as mulheres, estão incluídas no "não cometerás adultério" porém, para os homens houve uma ordem explícita: "não cobiçarás a mulher do próximo". Diante de tudo isso, pergunto.

1. Não é da natureza feminina cobiçar o homem da próxima? (Não cobiça mas, se for cobiçada...)

2. Por serem tão cobiçadas, o problema delas passa a se apenas a escolha? Sei que é difícil escolher, mas... (Poderia, então, haver um mandamento: "não escolherás o homem da vizinha", ou coisa assim).

3. Jeová queria que as mulheres estimulassem a competição pelo melhor espermatozóide? (O adultério feminino só é terrível para os homens, para as mulheres e para Jeová, não?)

4. Seria por essas razões arquetípicas que, até hoje, as mulheres parecem muito mais rápidas e competentes para qualquer escolha?

5. Jeová não se preocupou porque, como disse Nelson Rodrigues: "Ao contrário do que pretende a ópera bufa, o marido é o primeiro a saber, exatamente o primeiro. Antes da mãe, da sogra, do vizinho, do fornecedor - o marido sabe."

Vou parar por aqui, porque espaço é limitado e porque neste exato momento em que escrevo ou nesse outro em que você, improvável leitor, me lê, em milhares de templos espalhados pelo planeta, um homem e uma mulher se olham cheios de ternura, e juram que se amarão até que a morte os separe, juram também fidelidade eterna. E são juras verdadeiras, até a hora da cobiça ou do adultério...



|home| |índice das crônicas|

 

5