'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Adventícios

02/07/08

Já se pôs a culpa em 'infiltrações'. Falava-se de penetrações sorrateiras de ares marinhos continente adentro, empapando tudo com a água tão indispensável à vida, molhando pés e almas, esfriando narizes e corações.

O céu, antes com veleidades de azuis, toldou-se, zangado, a obliterar mais e mais a luz. No entanto, as nuvens mais baixas, que se podiam ver, deslizavam lentamente de oeste para leste, a negar a teoria de infiltração.

De repente, neste clima inóspito, surgiram muitos pássaros forasteiros, pelo menos neste terreno aqui. Mais ou menos do tamanho de sabiás, mas com um rabo proporcionalmente muito maior, mais definido, como um remo longo, talvez, e com as pontas riscadas de branco por baixo. Eles davam uns gritos curtos e nítidos, que lembravam o grasnar de pato, mais agudo, nos dois sentidos.

Tomaram de assalto algumas árvores. Voavam, quase sempre aos pares, em vôos curtos mas muito rápidos, quase riscos paralelos daqui para ali. Dois pousaram sobre o muro do vizinho, bem diante de mim. Examinaram as cercanias e foram, um depois do outro, para os galhos de uma pequena árvore próxima. Um outro, subiu a rua à pé catando miudezas no pó. Atrás dele se seguiu outro passarinho inédito por aqui, marrom, com jeito de pombo, com o rabo cor de ferrugem viva, maior que uma rolinha e menor do que o bem-te-vi. Este também catava entre os grãos de poeira. Com tantas árvores e tão variada a vegetação, na certa há muita semente no chão.

Muitos sabiás continuavam na faina de comer abacates, alheios aos intrusos. Estes, como se tivessem vindo para ficar, se perseguiam em vôos longos, na certa a fêmea na frente, a julgar pelo comportamento dos gametas...

Em pouco, a umidade perecia anúncio de chuva, malgrado as previsões darem como impossível qualquer gota, hoje, do lado de cá do fim do mundo.

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