auto-retrato [1987]

A advogada

23-07-07

Ao irromper sem se anunciar, como sempre, solene como nunca, primo Nicolau puxou do bolso de trás da calça um pedaço de jornal dobrado e amassado que começou a ler como vigário no púlpito:

- "Deixa eu te falar uma coisa: o acidente não foi no ar. Ninguém bateu no ar, tá? Então o acidente não tem nada a ver com o número de vôos em Congonhas. Vocês estão confundindo. O acidente é o acidente. O sistema aéreo é o sistema aéreo. Se "linkar" uma coisa à outra, fica um pouco difícil de discutir, né? Não tem nada a ver, na-da a ver, "linkar" tráfego aéreo com o acidente."

Falava, é óbvio, do acidente que estremeceu uma nação, o povo, não governantes, autistas por deficiência ou necessidade e farsa. Cheio de energia, continuou:

- Veja, primo, no meio da perplexidade incomensurável de milhões ante a tragédia, a advogada do Zé diz uma besteira dessas! Ainda por cima fala como um... e disse palavra que calo, para não ofender seja quem for. E falou mais, o Nicolau e vociferou outros termos que omitiria se lhe tentasse reproduzir tudo que disse. Continuou, furibundo:

imagem da internet
cubano

- A rapidez do contágio de uma gigantesca população - ponderou o transtornado primo - para levar Jung a detectar, agora, o inconsciente coletivo, se ainda não o tivesse apontado e o que se vê é essa cria da todo-poderosa Eminência Parda receber medalhas e mimos e dar uma entrevista destas! Disse, sacudindo-me o pedaço de papel amassado, um caderno da Folha de ontem, com a entrevista da Diretora da Anac, a advogada Denise Abreu, à Mônica Bergamo. Denise se notabilizou ao ser fotografada, no apagão aéreo do reveillon, na festa do governador eleito da Bahia fumando um dos charutos cubanos distribuídos aos convivas...

A tudo ouvi perplexo e, mesmo antes de ler qualquer coisa, cobrei: peraí, advogada do Zé? Que Zé?

- Do Zé Dirceu, ora, quem mais?

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