crônica do dia

 

Agadoisó

29/09/03

 

Se não me engano, os primeiros alertas falavam de um quinto da capacidade, 19%. Falo da Cantareira, nome de barca da infância e, aqui, da maior represa de não sei que universo - região, país, continente.

Deve ser mesmo imensa para aguar meia São Paulo, metade região metropolitana, 12 ou 13 milhões de pessoas. Depois, evaporaram-se mais 5% da capacidade total, ou 26% do que restava.

Os técnicos eram otimistas e maus profetas: "virão as chuvas, por ora não precisa racionar". Agora, chega-se a 12%. Em pouco tempo, bebemos, lavamos as mãos e tudo mais, inclusive carro e calçada, com outros 2% de uma represa cheia, 14% dos 14% que havia.

Ora, água do fundo não é a mesma coisa. Ali, a vida pulula mais concentrada e todos fazem o que sempre fizeram, só que em quantidade menor de solvente. Sim, é na água que se dissolve o cocô do caramujo, do peixe, da bactéria, do besouro, das larvas de mosquito e os corpos desses bichinhos quando morrem, e de outros. Fora a passarada que esse banquete atrai... Nossa sopa se espessa a cada dia... e nada de chuva! Nuvens vêm, passam em branco, tons de cinza e mal respingam.

O grande contador de histórias Orlando Vilas Bôas trouxe, com os irmãos, um representante de tribo do Xingu, para conhecer a cidade grande. Após uma semana, na hora de voltar, perguntaram ao índio o que gostaria de levar como presente para seu povo, como lembrança da civilização. "Pode escolher qualquer coisa, o que você quiser." O índio não titubeou e apontou a torneira da pia. Orlando: "ele não imaginava a complexidade que existe "por trás da bica".

Kurossava, não lembro em que filme, deixou outra imagem contundente: pescadores a cultivar alimentos em árida e minúscula ilha, sem água doce. Transportavam água em canoas para regar os brotos, com pequenas conchas. Imagem poderosa que faz o líquido ainda mais precioso.

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