autorretrato 

Alô, com quem deseja falar?

24/02/18

Toca o telefone! Nada mais agressivo que um telefone a chamar! Insiste, sempre com a mesma toada, repete-se como um ponto de interrogação.

Supera alarmes diversos com seus alaridos propositalmente escandalosos, supera até mesmo o som estridente e ameaçador das diversas sirenes a pontuar o trânsito nas vias urbanas.

O telefone chama e a dúvida se instala: se a chamada vier de algum conhecido — hoje os telefones informam, quase sempre, pelo menos o número de quem chama — fica a pergunta "e se for importante?", caso não se possa atender. Se o número for desconhecido as perguntas amofinadoras são outras "quem poderia ser?", "e se for uma emergência, alguém em situação de vida ou morte?" ou "pode ser o sequestrador com alguém muito querido" e por aí vai.

Atualmente, sempre se cogita, em algum recanto da mente, na possibilidade de ser um falso sequestrador, ligando de dentro de um presídio, ator bastante para forjar uma mentira assustadora. Diante da dúvida, o telefone toca, mecânico, sem alterar um mínimo a entonação, o humor de seu apelo. Repete-se para aumentar a angústia.

A evolução permitiu ao cérebro humano criar todas as maravilhas do mundo moderno e também o dotou de fértil e profícua imaginação. São as múltiplas alternativas de enredos, imaginados por nossa mente que tornam a campainha do telefone terrível, ameaçadora sempre capaz de sobressaltar.

O desconhecido além do toque repetitivo de um telefone atrai e, ao mesmo tempo, inspira temor, como sói acontecer sempre diante do desconhecido. Pela vida afora se acaba preferindo a monotonia da repetição ao incógnito, ao ignoto, à incerteza do desconhecido.

Proclamamos querer o novo. Novos governantes, novos modos de viver, maravilhas inéditas, mas largar o conhecido, suas coisas, seus livros, tudo até hoje acumulado é muito difícil.

Sat, 24 Feb 2018 16:47:04 -0300

Engraçado ler esta crônica hoje (aliás: no começo, achei que seria engraçada), pois ontem vassisti a uma palestra online e, uma das coisas citadas, foi um estudo segundo o qual 90% de nosso pensamentos são repetitivos (cada pessoa pensa sempre as mesmas coisas). E falava sobre a dificuldade e importância de estar focado no presente, não no futuro nem no passado. Nossa imaginação trabalha contra isso, nossa memória também.

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É preciso muito mais competência para fazer humor...
Hoje fui acordado por uma ligação. Chamei de volta e a máquina começou "você deve estar ligando por que recebeu um chamado da Nextel para lhe dizer..."
Seria melhor se tivesse dormido mais uns minutos.
Quanto à nossa mesmice, tive um colega que dizia "não pensamos, somos pensados; não falamos, somos falados" e, de fato, sabemos o quanto é difícil viver no presente.
Como você disse, nossas imaginação e memória trabalham contra o aqui e agora.

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