autoretrato  Crônica do dia

Slogan tem efeito entorpecente, como reza que se repete

Anoitece

20/09/07

Grendene - imagem de divulgação
Nem tudo é o que aparenta.

O 'Diário Gaúcho' explica:
Gisele Bündchen aparece assim, coberta somente por água, na nova campanha da Grendene.
No comercial, a água molda o corpo da poderosa, formando um vestido transparente.
O filmezinho foi feito com a ajuda de uma segunda modelo, com um corpo que tinha as mesmas proporções do de Gisele. A dublê teve diversos baldes d'água jogados sobre o seu corpo até que se formassem três modelos de vestido.
Depois, as imagens foram sobrepostas ao corpo de Gisele.

Anoitece. Os pássaros calaram, já se aninharam ou acharam seus poleiros. Um canto rompe o lusco-fusco - uma cigarra inunda a imensidão. Parecem incompatíveis o tamanho do inseto e sua voz.

Ao longe, sobrepõe-se o som de um helicóptero. Cresce, vem direto para cá. Passa muito baixo, talvez por existir um heliporto perto, talvez por estar o ar denso e imundo, a se poder ainda chamá-lo de ar. Nele, o sol se pôs antes do ocaso - sumiu num mergulho opaco em nada. Foi-se o helicopererê, como dizia a criança, com seu barulho de guerra, som que o deixa de ser para abalar a matéria em sacudidelas e oprimir o peito com infra-sons no limite da audição.

O anoitecer sublinha outros limites. Apaga-se o mundo que o olho vê e se assanham sentidos esquecidos. Cada ruído cresce aos ouvidos e até perfumes parecem emanar de um céu que espera estrelas e se povoa de vultos imprecisos a propor fantasias, a cutucar sonhos adormecidos.

No topo, acima de minha cabeça, meia Lua indica quarto crescente - ah nomenclatura! sempre me soou imprópria pois, para nós, humanos, é verdade o que os olhos mostram e, da Lua inteira, sempre vimos a metade e ela, metade, nos parece toda a Lua e, iluminada, é Lua cheia...

Não se engane, as aparências enganam e o repetir este refrão sublinha a fé no que os olhos vêem, no que parece ser. A imagem reveste-se da aura de divindade e o testemunho ocular, fotográfico e similares pareceu aos tribunais prova irrefutável, verdade definitiva. Mas não se engane, aparências enganam.

Hoje, quando se pode pegar à unha um pixel e subjugá-lo ao lhe impor tamanho, coordenadas, cor e luminosidade, fora qualidades que ignoro, faz-se do nada espelho do real e da realidade visual mentira mais verossímil que o real.

Alguns grilos cantam. Serão mais no verão. Há trinta anos, pareciam encher a noite.

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