A quoi bon?

24/11/97


Quatorze meses escorreram ainda pelo gargalo da ampulheta. É outra a máquina que continua este texto. E a cabeça, que deveria ser outra, continua a mesma e velha. Primeiro tive ganas de rasgar ou deletar vários trechos. Depois, preferi continuar ou, pelo menos tentar, pois tenho a nítida sensação de que não seria capaz de deixar as palavras transbordarem hoje como as que acabo de reler.

Seguimos, trôpegos, ao encontro marcado, numa solidão infinita. O parágrafo acima foi escrito há quase sete anos. Referia-se a outro texto, mais antigo e esse a outros, mais velhos ainda. Mas temos nossas manias e elas são nossas. Não podemos emprestar vícios e cismas, por mais que uma alma caridosa e apaixonada os queira tomar emprestados. Seguimos bêbados de nossa insignificância, tropeçando na própria miopia, disfarçando a solidão com todas as cores do arco íris. E sonha-se a solidão a dois ao se perceber que ela é incomensurável, no meio da multidão. Ah, a choupana de sapé na praia dos coqueirais da baia recôndita e ensolarada que ainda ninguém descobriu! Virgem, pelo menos a praia. Areia desvirginada por nossos pés! Ah sonhos que pensamos nossos, quem sonha nossos sonhos por nós? Trôpegos e cegos, ao encontro marcado.

Onde a magia dos mares que devolve virgens as areias de todas as praias a cada manhã? Que magos somos, que energia falta ou que malícia sobra, que nos impede de repetir o milagre? Com que olhos olhamos, que de antemão sabemos o que nós veremos, antes, até, de espiar? O que fazem as escolas, os pais, as mães as professoras, o que fazemos todos, eu, você, cada um de nós, com as crianças todas, os bebês pequenos - pois cada bandido, cada mendigo ou maltrapilho, cada louco ao demente foi um bebê pequeno, pendurado pela boca no peito da mãe - o que fazemos?

A quoi bon tout ça? Minha amiga Sabrina, há coisas difíceis de traduzir. São fáceis, ma traem, não traduzem, como dizem os italianos. Poderia dizer: para que tudo isso? Mas não é só isso que aquelas palavras em francês conseguem dizer. Que proveito se tira de tudo isso ou qual a utilidade disso tudo... talvez seja melhor, mais ainda não é exatamente. Nunca será! A quoi bon tout ça? Por que essa crônica de cada dia? Seria, no fundo , mais um produto da indústria do entretenimento? Uma muleta ou bengalinha para espantar a solidão? Entendem? Não fazer disso um jogo-da-velha ou outro brinquedo qualquer. Se você vem pegar a crônica como quem passa na loja de vídeo para trocar de filme, acharei ótimo se detestar o que escrevo. Não quero agradar - e que se entendam as palavras: não faço qualquer esforço para agradar, ou não. Isso só preocupa a quem vende seu espaço - e sua alma, portanto, com objetivos que chama de comerciais. Eu os chamo de gananciosos, sem que isso seja um julgamento ou acusação, apenas tento dar o nome apropriado no afã de ver com clareza. Sonho com aqueles raros momentos em que se estabelece uma verdadeira comunicação. São raros, mas existem: entre duas pessoas somente, ou num pequeno grupo e, até mesmo, entre um orador e sua platéia. É difícil, mas acontece. Poderia acontecer aqui? Não sei, mas ainda vale tentar...

Todo ser humano traz a nostalgia de um sonho indizível dentro de si. Alguns o traduziram nas lendas dos paraísos perdidos, dos eldorados e atlântidas. Outros falaram de um lugar abstrato a que, por fim, se chegará, são os céus os nirvanas e olimpos talvez. Outros ainda, tiveram a visão das ilhas paradisíacas com, ou sem, os belos corpos nativos tostados dos céus tropicais. Mas o mundo encolheu e, na Lua, falta o mar... Apesar de todo esse sonho, o nosso lado tão animal, que luta e quer marcar território, que domina e quer possuir, parece anestesiar o que intuímos e não sabemos dizer e constatamos que fizemos para nós, para vivermos nela, uma sociedade que detestamos! Nos olhamos no espelho e detestamos o que vemos. Aí dizemos: bom, foram eles que fizeram assim. Eu não gosto, não sou como eles. Vou me isolar, viver à parte e à margem disso tudo, construir o meu mundinho... Eles? Quem são eles? Falamos desse jeito sem nunca nos perguntarmos com seriedade se eles não somos nós...




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