desenho de MIMA no fim cada mania acha seu louco

Asas barulhentas

20/05/08

A mosca pousa na fina folha seca de bambu mas, em seu vôo, passa perto da cabeça do cachorro. Durante seus onze anos de vida, ele teve um berne e uma vez, bicheira. Dois males detestáveis, em verdade, larvas de moscas, ou moscas adolescentes para quem preferir. Ele aprendeu a estar sempre em guarda contra esses dípteros, percebe a distância o som de seus vôos e acabou um exímio caçador dos insetos que o ameaçam. Em geral, com um único golpe, os abocanha. Triste dieta!

Pois bem, hoje, ele viu a mosca pousar na folha, nítida ao sol, uns dois passos a sua frente. Com o olhar fixou o inseto e, depois de um instante, num pulo difícil de explicar, pois estava deitado, a matou. Desta vez, não a comeu, talvez por que a mosca estivesse muito perto do chão. Ela caiu morta pelo golpe de focinho. Cutucou-a, ainda, com o nariz a observar, como se quisesse se certificar de sua morte e, então, voltou a deitar no mesmo lugar de antes. Há muitos anos não tem berne nem bicheira, apesar do gado que circula pelas imediações.

Logo depois, passou o vulto de uma ave grande, muito baixo, a roçar o telhado. Saí para ver de que se tratava e três urubus circulavam rente aos topos das árvores, enormes. Deram algumas voltas e seguiram rumo ao nordeste. Neste vôo em linha reta, de quando em quando um deles batia asas. Um som de 'flopt' marcava o bater de asas e, me pareceu ter chamado a atenção de duas outras aves, pousadas na árvore sob a qual estava. Os urubus levantaram vôo e seguiram na mesma direção. Foram-se os cinco em seu planar silencioso, salvo quando batem asas por qualquer razão.

Esporádicos ruflares de asas nos chegam aos ouvidos, asas de um desconhecido fascinante, do imponderável que, um dia, cutuca a todos mas, quase sempre, o trivial nos ocupa demais para atentarmos a asas barulhentas.

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