autor, circa 1996 Crônica do dia

Barata tonta

11/02/08

Não me lembro de ter visto, ao longo de mais de meio século, uma barata tonta, quer dizer, o bicho como bêbado em conseqüência de veneno ou outra iguaria. Existe em mim, sim, a idéia implícita na expressão - a de alguém perdido nas próprias sensações e ideações, a de uma pessoa desorientada. A de alguém sem alvo, rumo ou bússola, sem um meio de comunicação - não telefones portáteis, sistemas de navegação por satélite e coisas assim, impossibilitado de se comunicar consigo, incapaz de uma resposta pronta aos desafios banais do dia-a-dia. Creio que isto é a tal da barata tonta, o ser que, de repente, não sabe mais onde está, para aonde ia, o que era mesmo que queria.

Pois, bem, sinto-me uma barata tonta - voilà. Poderia chamar de tédio, também, pois o que interessa ou entretém a maioria, a mim aborrece. Os desmandos dos homens públicos com o dinheiro público? Em outras palavras, a eterna exploração da maioria por uns poucos que se assenhorearam do poder? Há milênios é assim e as revoluções só mudam o grupo que parasita a multidão. Bisbilhotar o que outros fazem ou deixam de fazer, interessar-se pelos clamores da vida a sua perpetuação, sejam quais forem os atores da tragédia ou comédia? Ba! Não me alimenta a curiosidade e, muito menos, o espírito. O futebol, as disputas, corridas, ver quem se sobrepõe a quem? Pão e circo se tornaram insípidos. Eis, pois, barata tonta e, como tal, nu da contraditória croniquinha esporádica e cotidiana.

Não vou sair feito barata tonta em procura de um tema para cronicar, como o homem civilizado que busca uma folha para cobrir sua nudez. Que fique este estado de barata tonta a ver se existe algo no fundo dele. Não procurarei uma barata tonta para falar do ortóptero.

olha a barata!

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