Existem belas vozes femininas. Algumas, encantadoras, com o condão de evocar e provocar - sim, há vozes, até, sensuais. Para resumir, evocaria a personagem de Fellini, em Otto e Mezzo, cujo rosto só aparece coberto por um lenço que se amarra sob o queixo e dois enormes óculos escuríssimos, no papel de uma recordação do diretor do filme que se faz no filme, Guido, representado por Marcello Mastroianni. Ela é apenas voz e mais uma no harém em que evoca todas as mulheres de sua vida. Seria a voz de uma aeromoça, de uma companhia sueca, se não me engano, que pareceu muito sensual, etc. - voz que se materializa sob discreto uniforme de aeromoça do início dos anos sessenta.

Apesar de existirem tão belas e encantadoras vozes femininas, basta ligar o rádio - não ouço televisão - para que comecem a desfilar, com microfones à guisa de passarela, as mais detestáveis vozes de mulher. Ouve-se de tudo - a coleção completa, para fonoaudióloga nenhuma botar defeito: fanhas, gagas, de língua travada, em falsete, esganiçada etc. É claro que existem vozes horrorosas de homens, mas os homens falam mais grosso...

Existem belas vozes femininas.

Este é o resumo da ópera: os homens falam mais grosso! As mulheres, pelo timbre naturalmente mais agudo e, creio, outras heranças biológicas - para os macacos (leia-se, primatas) machos, gritar mais alto ajudava a se impor como líder, daí, acredita-se veio o gogó, o pomo-de-adão - creio dizia eu, as vozes femininas, com facilidade, se tornam desagradáveis, e, até mesmo, irritantes.

Sou incapaz de encadear três notas sem desafinar. Em volta, se divertem e, no entanto, temas ligados aos sons me atraem quase tanto quanto ver. Note, não disse ligados à Música...

Mal comecei a falar e o tempo se esvai e medir é pequeno. A unidade do incomensurável é o todo. A voz esganiçada encanta aos ouvidos certos. Há péssimos ouvidos e orelhas assustadoras, como a minha...