auto-retrato [1987] Crônica do dia

Bóia de luz

05/06/07

Pouco antes do amanhecer a Lua banhava com a pálida luz do Sol a natureza adormecida. Logo os primeiros sinais do amanhecer assinalariam o leste no horizonte, a rigor, nesta época, mais para o nordeste. O dia veio coberto de nuvens enquanto o rádio reportava dificuldades, desvios e suspensões de pousos e decolagens, em São Paulo, devido a intenso nevoeiro. Conferi por precaução: do lado de cá do fim do mundo: nenhum ruço, nem vestígio de bruma.

O dia clareava, mas o Sol só iria assomar em meia hora, pouco mais. Depois de entrarmos na zona de luz, aurora de mais um curto dia, a névoa chegou veloz, de leste e, em pouco tempo, mal se podia distinguir a silhueta do que estivesse a uns cinqüenta metros. Agora, duas horas depois, uma zona extensa do branco céu se ascende aos poucos, a confirmar o dia azul que se prometeu.

Uma palavra é uma palavra. Porém, devido à intrincada teia de razões e significados que construímos uma palavra pode, em certas circunstâncias, parecer um farol em mar escuro. Hoje, no meio daquele nevoeiro, achei uma palavra: relacionamento.

A vida é um tecido de relacionamentos. Relacionamento com pessoas; relacionamento com animais, plantas, objetos; relacionamento com idéias, sentimentos, emoções e esse mundo que mal sabemos nomear por desconhecer, que às vezes chamamos de inconsciente, que dizemos ser nosso 'interior', que apelidamos de espírito, alma o que for.

No meio da alva bruma que a tudo apagava, achei uma palavra, ou o verbo, para de pronto interagir: relacionar. Só em um estado de doença cessa o relacionamento.

imagem da internet

O mormaço aos poucos se desfez em luz e sombra. Cada folha se revestiu de finíssimo veludo de minúsculas gotas que mal se podia distinguir. Relacionamento - se não foi um farol em meio ao nevoeiro, serviu pelo menos como bóia de luz.

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