Bunhelesco

01/03/16

Ontem, mencionei meu espanto ante a dissolução cabal dos universos existentes em cada cérebro humano. Um intrincado mundo, somatório de experiências ao longo da vida, repentinamente some e desaparece como bolha de sabão ao estourar no ar.

Nos Estados Unidos, morrem onze pessoas por segundo (não encontro dados para a população mundial). São 66 por minuto, 3960 por hora e mais de 95 mil por dia. Nascem mais, é verdade e, por isto, cresce a população, mas com cada morte se perdem, sonhos, conhecimentos, crenças, particularidades e tudo mais que molda um ser humano e é armazenado e processado em seu cérebro.

Impossível não associar com a imagem do manto de sonhos descrito por Buñuel e tantas vezes citado aqui. Porém, além de fabricar sonhos, cada cérebro tem lá suas certezas e dúvidas, manias e implicâncias peculiares, defeitos e virtudes específicos daquela pessoa e mais uma infinidade de coisas só ali existentes.

Junto com o corpo a abrigá-lo, aquele quilo e pouco de matéria (cinzenta, branca, pouco importa) encerra bilhões de sinapses, não sei quantos neurônios e funcionam à perfeição para fazer de cada um quem é. Seja o cérebro de um gênio ou de alguma de vítima de doença ou condições muito adversas, não importa, aquele pedaço de nós guarda um mundo único e pessoal como uma impressão digital.

Um belo dia, sobrevém a morte, como se costumava dizer na Secretaria de Saúde, e tudo desaparece num piscar de olhos ou num cerrar de olhos definitivo, adensando, assim, o manto espesso de personalidades apagadas e criando um outro manto como aquele bunhelesco, adjetivo inexistente em nossa língua, mas por mim há muito usado.

Resta, é óbvio, um pouco de cada um em suas marcas, nos escritos, imagens e outros vestígios, mas seu universo pessoal, só a própria pessoa accessível na totalidade, acaba.

Tue, 1 Mar 2016 12:23:05 -0300

Há que exteriorizar o que por lá está. Por isso escrevemos, filmamos fotografamos, pintamos etc... etc... Sua evocação da nomenclatura técnica da morte me evocou outra: "evolui para óbito". Evolução mais besta...

Grande abraço.

Ebert

Sim, desta exteriorização resulta a cultura, a ciência, o intercâmbio das humanas emoções, mas existe outrossim um universo na cabeça do idiota, do autista, de todo ser humano.

Quanto aos termos, são marcantes e de uso restrito a certos ambientes ou profissões. A polícia é pródiga neles.


Tue, 01 Mar 2016 14:23:30 -0800 (PST)

eh, isso eh verdade e faz pensar
aquele universo acaba

e quantos milhoes de universos existem somente nesse nosso planeta

      sem assinatura

Uma parcela (pequena) fica nos textos, imagens, sons etc. e parte, direta ou indiretamente, acaba virando inconsciente coletivo. Porém o mundo de cada pessoa some.


Wed, 02 Mar 2016 11:00:23 -0300

Clode,querido,ja imaginou a hipotese de mantermos este arquivo pessoal na alma que reencarna varias vezes.Isto nao explicaria nossas diferentes personalidades,reacoes involuntarias a determinadas situacoes,facilidades adquiridas e ate mesmo a genialidade em algumas criancas,presentes logo nos primeiros anos de vida,como o exemplo famoso de Mozart?
Sera que nos restringimos a materia?Um pedaco de carne?
Nao seria a alma eterna?
Abracos

      sem assinatura

Não consigo supor uma individualidade perene, a permanência do EU eternidade afora. Meu pai brincava sempre, diante dessas questões, dizendo: "É uma questão de fé demais ou fé de menos" e sempre me lembro dele quando o assunto é matéria de fé.

Não acho que estas questões se possam resolver por meio de uma "boa explicação", de uma lógica eloquente para explicar o desconhecido. Nossa personalidade pode ter outras "explicações", igualmente convincentes, assim como se explicam também, pessoas com generosos dotes para esta ou aquela atividade.

Não nego nem afirmo, apenas desconheço.

Obrigado por suas palavras.


Wed, 02 Mar 2016 16:28:07 -0300

Cada vez mais fiel às suas certezas...

Muito belo tudo isso.

bjos, mermão

      sem assinatura

Merci.

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