desenho de Lu Guidorzi berro - a parte inútil da vaca
Publicação esporádica destinada a perder-se como berro de vaca que, todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

Caldos

09/09/03

O jovem pegou o bagaço seco, o dobrou e enfiou no pequeno moinho. O motor elétrico quase parou, mas com ajuda humana a engenhoca ganhou fôlego de novo, sem que se pudesse ver mais nada escorrer para o coador.

O rapaz pegou o bagaço do bagaço, dobrou mais uma vez e o meteu na goela da máquina que, desta vez, travou. Em vão ele cutucou, empurrou, puxou e tentou girar a roda maior. Desligou a eletricidade. Por fim a cutucar, ora engrenagens, ora o bagaço de cana livrou a moenda.

A banca, no meio da calçada, altura do número 3 843, da avenida Inocêncio Seráfico, Carapicuíba, além do caldo vendia salgados, empanados, quer dizer, encapados de massa enfarinhada e gordurosa. Um pequeno cartaz, anunciava o preço: 50 centavos.

O cartaz esclarecia: copo pequeno de caldo, 50, médio 80 centavos, o grande, um real. Veio uma freguesa com um real na mão. O rapazola limpou a graxa e restos de caldo e bagaço das mãos em um pano que puxou das profundezas do balcão. Pegou o dinheiro, pegou uma folha de guardanapo de papel, nesse dispositivo que, nos bares, chamam de televisão, pegou o que pareceu-me ser uma coxinha e entregou a moça. Enfiou a nota em um bolso. Em outro, pescou uma bolsinha e nela remexeu até encontrar duas moedas, que deu de troco a moça, que matava a fome.

Depois, deu a volta por fora do balcão. Havia uma dúzia de canas, descascadas, de pé, sobre a calçada particularmente imunda. Pegou um facão e uma das canas, cortou-a em três pedaços. A todos, apoiava na mesma calçada. Repetiu o feito com outra cana. Voltou para trás do balcão e recomeçou sua tarefa de preparar suco, que ficava ali, no meio da rua, como caldo de cana, ou de cultura.

Quando acabou de fazer mais caldo, o moço puxou o pano de seu esconderijo e, dessa vez, limpou longa e cuidadosamente o balcão...

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