'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991] 

Céu estrelado

18/11/11

O céu desanuviou-se durante a noite. Depois de tantos dias encharcados, inóspitos pelo menos para nós, que não somos sapos nem caracóis, o céu despiu-se de toda nuvem e descortinou-se estrelado, mais estrelado pela faxina das chuvas e ventos.

No meio da madrugada, Órion se estendia no vértice da abóbada, guardado por Marte à sua direita. Descambando para o poente, Júpiter luzia com extravagância venusiana e, no nascente uma lua de meia cara assomava em seu quarto minguante.

O céu estrelado é um espetáculo sempre surpreendente. Como não há ganho sem perda e vice-versa, nossos antepassados remotos não tinham ruas iluminadas nem liquidificador, mas conviviam com um firmamento, hoje, muito difícil de se encontrar e a falta de telinha e telonas descortinava constelações e nebulosas, cometas, estrelas cadentes e chuvas de meteoritos no fundo escuro da falta de luz.

Na tela da televisão, a escritora mexicana, cujo nome esqueci, disse ser muito difícil diante de tanta maravilha não inventar um maestro, um autor, algum idealizador. A noite límpida, cheia de estrelas e planetas esplendorosos, convoca à especulação. As velhas perguntas de sempre se insinuam no contrate indizível das dimensões. Que bicho estranho carrega esse cérebro descartável e efêmero! Por que haveria de ter um porquê?

Dezoito de novembro, aqui, começará com sol forte e céu azul. Muitos males da umidade desaparecerão até as próximas chuvas. Sapos e caracóis terão de procurar sombra e terra molhada. A bicharada cantará mais alto e mais animada. Até nós, humanos, tocaremos nossas vidas com mais alegria.

Uma amiga, ao telefone, falou: o que conta são os amigos, o resto não importa e eu lhe disse: você repete Nelson Rodrigues. A alma depende das condições climáticas. Celebremos, pois, este dezoito de novembro ensolarado.

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