Crônica do dia

 

Cotó

15/06/05

Bagunça perturba mas, como tudo, tem seu reverso, suas recompensas. Acho um cotoco de lápis, oito centímetros, 5,6 intactos e o resto cone da ponta quebrada. E daí? Ora, o cotoco tem, em vez de grafite, um tipo de carvão próprio para desenhistas. Esqueço a marca, o que me espanta. A madeira, em cor natural, é apenas envernizada - desconfio que há uns 40 anos era mais fosco, mas talvez a opacidade fosse da memória. As inscrições são em letras brancas: BBB 338 Roya... e aí começa o cone de apontamento. Talvez esse seja outro, talvez o de minha lembrança, cujo nome ainda acho que lembrarei, seja de outra marca, de acabamento fosco mesmo, fosco não, acetinado. Aquele Roya... me parece estranho...

Por certo a leitora formosa, agora quase furiosa, repete a pergunta: e daí? Ora, os cacos, o lixo e toda tralha que forma a bagunça de cada um não são outra coisa senão sinais mnemônicos, como o xixi com que os bichos deixam mensagens de amor ou traçam fronteiras e trilhas. O toco de lápis de carvão, três bê, por exemplo, se tornou para mim ícone do vestibular para a FAU-UB, que não existe mais com esse nome, pois a Universidade do Brasil virou Federal do Rio de Janeiro. Exames do final de 1961, para os cursos que começariam no ano seguinte. Os primeiros de arquitetura a começar na ilha do Fundão e não, na Urca. A mudança se dera na metade daquele ano. Filho mimado, cismei que o tal lápis era decisivo para a prova de desenho livre, com modelo vivo, do vestibular, mas estava em falta no Rio. Meu pai o pediu a alguém em São Paulo e a encomenda só chegou no dia da prova... Um cotoco cheio de histórias, bobas, inúteis, pessoais - lixo, enfim.

Eis o nome, lembrei-me há pouco: Woolf - talvez fosse mesmo outro, aquele inglês, acetinado. Por fim, existem milhões de diferentes cotós para cada um de nós.

 

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