crônica do dia

Desfile

13/11/03

Todo dia um desfile passa nessa rua e depois segue pela estrada da Fazendinha e se dispersa aos poucos no Jardim Ana Estela, Jardim Tognato e em outros jardins sem árvores, sem flores nem pracinhas de bancos para namorar. São jardins de barracos e casinhas simples, muitas sem reboco, amontoadas em ruas íngremes, cheias de cor e varais ao vento.

É um desfile sem samba, passista ou porta-bandeira, ainda que cheio de mulatas e, entre elas, algumas mui formosas de face e molejo, mas há também as feias, feias de doer. Tampouco ali desfilam beatas fervorosas em procissões de cantorias, promessas e súplicas devotas.

Mero desfile trivial, cotidiano, com ida e volta, que leva, de manhã cedo, o cortejo de mulheres para cuidar da casa alheia, lavar e limpar o que outros usaram e sujaram. Vão a preparar alimento e o servir com capricho, depois recolhem restos e cuidam do lixo, lavam roupa suja, como se costuma dizer, de mesa, banho e cama. São a tropa de choque do limpa, lava e poli. Põem ordem, perfumam e passam à ferro, peça por peça.

À tarde, voltam, quase sempre a mostrar sinais de banho recente, com a bolsa inseparável e, não raro, uma sacolinha de supermercado. Já não há tanta animação, conversam menos mas, mesmo assim, a maioria segue à pé por dois ou três quilômetros, aos pares ou grupos maiores, a tagarelar. Ônibus custaria uns 25 dólares por mês. Preferem pernas e línguas...

Sem dúvida adoram conversar. Outro dia, seguiam duas rua abaixo em animada conversação. A cada dez, doze passos, paravam em animada falação. Outros tantos passos e nova parada cheia de conversa e gesticulação. Passaram mais duas em bate-papo discreto. Uma levava umas poucas folhas de couve, há pouco colhidas, na mão.

conhece essa fada?
conhece essa fada?

Seguia o desfile rumo a magia, também diária, que torna tão difícil a filhos e maridos a compreensão da vida miúda.

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