crônica do dia

Doce amargor

01/11/06


Dulce é doce, mas Dulce não era doce, era ninfomaníaca. Que digo! Quem pode saber o que vai em e turbilhona outrem para o rotular e brandir veredicto? A contar, de fatos patentes e escancarados, é que Dulce se afogueava e consumia ante Mateus e, sem cuidados buscava inflamar fogo igual em quem parecia tanto lhe desgovernar e ensandecer.

Mateus, temente a deus ou ao diabo, em anos de fulgor e primavera, se fazia de rocha imune ao fogo que o chamuscava e quanto mais granito parecia, mais combustível parecia derramar nas labaredas da mulher que não era doce e se fazia mais e mais mulher, a cumprir rito inconsciente em busca de um pai para sua humanidade.

Aparecia com vestidos leves, curtíssimos, rodados e claros, em geral, com estampas de flores, que por corte e feitio já mostravam mais do que cobriam. Prendia a cabeleira, aparentemente pelo prazer de soltá-la e a sacudir em provocação de olhares e jeitos no esvoaçar de cabelos em câmera-lenta para um Mateus atento, rocha em que o viço do musgo era indício de uma firmeza insustentável.

imagem perdida na internet
imagem perdida na internet

A mulher que se oferece desabrida pode obter o que procura mas, como troco do, terá o desprezo daquele a quem se fez fácil. A contradição rachava, devagar, o granito que fingia ser, de início, Mateus.

Perplexo, com medo de deus ou do diabo, Mateus trouxe o livro que acabara de ler, que, na ocasião, mais o deleitava e cujas palavras lhe soavam sábias e capazes de iluminar. Como se encantara com o livro, o levou para Dulce: "toma, é lindo, lê e vê se você também gosta". Ela agradeceu, cheia de afetação. Pegou o presente e o enfiou na bolsa sem sequer o folhear, sem parar de, com o olhar, atiçar Mateus.

Incansável como as ondas do mar, o tempo passou e Dulce jamais leu o livro que lhe Mateus emprestou. Muito menos o devolveu. Aquela Dulce não era doce.


|home| |índice das crônicas| |mail| |anterior|

2454040.726