Aquarela do autor

de esporadicidade imprevisível

Domingo branco

09/10/17

No domingo esbranquiçado por um céu de nuvens claras com, ora um mormaço, ora um tíbio sol de sombras suaves, não se veem as costumeiras aves a planar pelos céus, por razões que desconheço. Sons suaves confirmam o predomínio humano sobre o resto da fauna. De tempos em tempos, por uma brecha, o sol se faz pleno, com sombras bem definidas, mas logo se esconde atrás das nuvens. Súbito, um helicóptero nega o quase silêncio dominical quebrado, também, por motocicletas um pouco menos barulhentas.

O pensamento erra, meio inebriado pela indolência e pelo ar úmido e morno. Velhas lembranças vêm como assombrações, repletas de ideias do que se sentiu, do que se pensou... Antigas paisagens emergem da memória imprecisas, mas com um fulgor apenas possível no território da imaginação... Algum relacionamento apenas esboçado e logo diluído no fluxo inexorável da vida, ressurge com um sabor amargo de esperança frustrada... Uma palavra inapropriada, pronunciada em momento inadequado, ecoa através do tempo e se repete cheia de arrependimento... Quanta informação acumulada em um único cérebro a fervilhar e a pulular um passado inerte e inútil!

Mais tarde, extensões azuis afastam nuvens e alto, sobre as areias, deslizam aves. Caminhar recorta pedaços de falas: uma senhora diz, enquanto bate com a toalha em sua perna, ao senhor a seu lado: "sabia que agora o talco Johnson dá câncer, principalmente quando usado nas partes íntimas?" Dois homens encanecidos conversam "tem aquelas balas que explodem ao atingir o alvo...", mas são interrompidos pelas companheiras, vindo logo atrás a falarem sobre uma tal Joice que mudou de sexo... Um rapaz pergunta onde tem futevôlei na imensidão da praia e, adiante, uma senhorinha miúda pede instruções sobre o rumo a seguir...

No final da tarde as nuvens ficaram acinzentadas.

Mon, 9 Oct 2017 09:43:21 -0300

Muito bom!

Obrigado!

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Que bom que gostou.
Obrigado eu.


Mon, 9 Oct 2017 10:38:52 -0300

Na melhor tradição da crônica carioca (João do Rio, Sabino, Braga, Mendes Campos e por aí vai), suas cronicas são atualmente o meu melhor passeio sentimental e nostálgico pela CM. Obrigado por compartilhar.

Grande abraço.

Ebert

Oi, Ebert,

Obrigado e me perdoe a ignorância: como se decodifica o "CM"?
João do Rio eu não conhecia. Vou procurar.
Sabino, Braga e Mendes Campos me lembram o programa "Quadrante", da velha Rádio Ministério de Educação e Cultura...
Que bom você gostar!


Mon, 9 Oct 2017 15:47:17 -0700 (PDT)

saudades
bjs

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A crônica provocou saudades ou foi um sentimento autônomo?


Mon, 09 Oct 2017 23:56:08 -0300

ícone de uma casinha com uma árvore ao lado

      sem assinatura

Obrigado, mas sou analfabeto na linguagem desses ícones ou "emojis".
De todo modo, casa é um tema muito apropriado ao meu momento.


Tue, 10 Oct 2017 20:40:06 -0300

Estava pensando se existiria algum passado que não fosse inerte e inútil? será?

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Acho que não.

O passado e o futuro não existem, são apenas informação e imaginação. Pode existir alguma serventia em um ou outro caso, mas ao lidarmos com eles não lidamos com a própria vida, com o que é.

Que delícia você ter pinçado este trecho!


Thu, 12 Oct 2017 20:29:01 -0300

Ói eu de novo, hermano...
Acabo de ler mas essa bela conversa sua com o mundo ao redor. Mas... sinto um pouco de lances de outras pessoas, bem perto ou mais longe ou bem mais longe mas ainda conversando com você sobre o dia a dia de cada um de todos nós. Claro que não estou perguntando nada, mas fico curioso a respeito das suas conversas com você mesmo... digamos. Se é que isso é possível. Vontade de ficar mais perto de você de quando em vez.
Seria possível?
Em suma, como diz aquela bela canção do Milton Nascimento, aquele mesmo que ficou meio bravo comigo, e isso na frente de todo mundo que iria ouvir o Milton Nascimento... e na saída, quem diria... lá fomos nós dois pra um cantinho bem longe de todo resto de todos presentes... Mas no final acabou tudo muito bem, amigos pra sempre, mal entendidos explicados... A vida é plena de surpresas, felizmente...
Mas... me conte alguma coisa de você aí.... alem de suas caminhados, pessoas, encontros imprevistos ou o contrário... fale do seu irmão, em suma.
Uma boa noitada aí... tem noitada aí?
Vamos lá, me conte uma...

bjos

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Já se vê o diálogo difícil de um exímio repórter com um eremita de poucas palavras, mas vamos lá, não custa tentar.

Hoje fui assistir um documentário de longa metragem feito por uma amiga daí de São Paulo, com quem trabalhei na década de noventa. Era sobre uma nova mania que se espalha pelo mundo chamada "Slam" e derivada do Hip-Hop. São poetas populares se apresentando e improvisando com um limite de tempo: 3 minutos. Foi filmado em Nova York, em Chicago, em Paris, no Rio e em São Paulo.

Quem também estava lá (e fez parte da fotografia do filme) foi o Sérgio Roisenblit, que você conheceu. Ele falou que não sabe se poderá ir à festa de seu aniversário, no próximo dia 21. Enfim, a vida se tece de pequenos acontecimento sem qualquer importância, mas é muito importante você querer saber como vai o seu irmão...

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