A enfoco e a memória

O mais comum e diria, mesmo, natural ao se encetar uma narrativa de fatos passados, é procurar seguir o curso cronológico na sucessão dos eventos a relatar, mas seria este de fato o melhor fio condutor? Não me parece funcionar desta forma nossa memória, este mistério a nos pregar peças a torto e a direito. Parecem-me mais relevantes em nossos cérebros as associações, qualquer tipo de relação entre dois episódios, mesmo se distantes cronologicamente.

Além do mais, sabemos o quanto o correr do tempo "modifica" os fatos, pois a memória humana não é um filme a se repetir sempre idêntico, mas está sujeita a mudanças devidas a novas informações ou ao fluxo das emoções. Nossa própria percepção do presente se altera em função daqueles fatores.

Ora, faz um bom tempo tentei contar em resumo a história de uma experiência muito mais remota, o surgimento e curta existência de uma Escola de Fotografia, a enfoco em uma página denominada Anamnese. Não existe mais registro de quando tal relato aconteceu, mas imagino ter sido por volta de 1998, cerca de 22 anos, ou mais, dos acontecimentos ali expostos.

Agora, passados mais 19 anos, proponho-me a repetir o feito sem olhar a primeira notícia, o primeiro documento extraído da mesma memória. Sem qualquer destinação prevista para estas anotações, começo a escrever a esmo, sem pretender ordenação cronológica nem concatenação lógica.

Cabe, ainda, registrar, terem sido destruídos todos os documentos fiscais da empresa por ocasião de seu encerramento. Assim, nunca se saberá com precisão, sequer, a data de sua "fundação", isto é, de seu registro legal. Como assinalou o poeta árabe, seu começo foi "vago e nebuloso" e se peneirarmos mesmo as sobras na memória teremos um domingo ensolarado à procura de uma casa...

Não, muita coisa antecede esta lembrança, mas devemos contá-la pois aflorou e é esta a proposta. No domingo ensolarado de 1968, saímos os três - Anucha, nosso filho de quase um ano de idade e eu - do Brooklin Novo, São Paulo, de ônibus, pois não tínhamos quase nada e muito menos carro, para procurar um lugar nos "Jardins", que pudesse sediar a "nossa escola".

Devia ser outono, mas o dia estava bastante quente e a criança pequena complicava a busca. Anucha lembrou-se, então, de uma conhecida, moradora da região e decidimos ir até sua casa para beber água, trocar fralda, amamentar etc. Infelizmente, não lembro quem era, mas tenho quase certeza morava na rua Caconde, próximo à Pamplona.

Esta senhora, cujo nome se perdeu - nunca nos ocorreu a homenagear enquanto a enfoco durou! - indicou, durante nossa conversa, uma casa que vira para alugar, ali perto... na rua Batatais, 492. O proprietário morava na alameda Campinas, a poucos metros dali e, novamente, foi-se o seu nome no buraco negro da memória, apesar de lhe pagar pessoalmente, todos os meses, o aluguel, (ele passava na Escola para fazer a cobrança) durante uns nove anos.

A enfoco se mudaria de uma pequenina sala na Avenida Paulista, no número 326, no décimo quarto andar, na sala 144 para uma casa com três quartos, duas salas, dois banheiros, cozinha, despensa, fora as dependências de empregada, transformadas em laboratórios, além da despensa. No início o local foi residência e escola.

Como pode alguém a afirmar "não tínhamos quase nada" e alugar uma casa destas? Boa pergunta. Ela traz um novo personagem. No entanto, antes de o introduzir, cumpre já corrigir fatos erroneamente relatados: a procura da casa não foi, como se disse, no outono de 1968 mas, sim, no verão entre aquele ano e o seguinte.

Criada no ano revolucionário de 1968, concomitante com os eventos estudantis em Paris, a enfoco funcionou durante um semestre na Avenida Paulista (então muito menos imponente e importante do que a atual) e apenas após o encerramento dos cursos daquela época, começamos a procurar um outro local mais apropriado para ensinar fotografia, para o salto, em nossa imaginação, de um curso para uma Escola. O início desta aventura coincidiu, mais ou menos, com o solstício de dezembro. Era, portanto, verão.

Feito o primeiro reparo, assinalamos a navegação à deriva entre as lembranças e enfatizamos o desaparecimento precoce de quase metade dos arquivos existentes a respeito dos fatos aqui narrados. Em outubro de 1992 Anucha morreu e com isto se apagou a aquele acervo. Ela foi a única outra pessoa a vivenciar cada passo desta jornada inaugural e da existência da enfoco.

Feita a correção precoce e as ressalvas acima, retomemos a personagem importante em nossa história e importante também para seu tempo. Perguntávamos como fora possível alguém sem recursos alugar uma casa confortável em um bairro de classe média, em plena Pauliceia, no ano tumultuoso de 68. E, como sempre, banqueiros acudiram com seu capital secundado pelos tais juros correntes e demais taxas de praxe.

Deu-se assim: no início de sessenta e oito eu era ainda repórter fotográfico do Jornal do Brasil, sucursal São Paulo, já na avenida São Luiz, defronte à Biblioteca Mário de Andrade. Quando fui demitido, em maio daquele ano, passei a frequentar com mais assiduidade a redação do Jornal da Tarde, recém-fundado e ali perto. Tinha amigos trabalhando lá.

Depois do moderado sucesso do "curso enfoco, veio a ideia de ampliar o negócio, trocando o aluguel de uma casa geminada no Brooklin mais a sala na Paulista, por uma casa mais ampla em local mais comercial. Aceitei a sugestão de obter um empréstimo para começar e o então repórter do Jornal da Tarde, Fernando de Morais, mais tarde escritor e militante político, intermediou um contato com o Banco Real, onde obtive a quantia de mil e quinhentos dinheiros da época - início de 1969 - tornando possível alugar e reformar a casa da rua Batatais.

A posse do imóvel pôs em movimento um mutirão empenhado em viabilizar a materialização do sonho. Muitas pessoas colaboraram de diferentes maneiras. Não lembrarei de todos, é óbvio, mas sendo a memória nosso foco principal, enuncio aqueles que me ocorrem de pronto e abro a possibilidade de, a qualquer momento, incluir novas lembranças.

Não sei quem foi contratado para as obras que transformaram a garagem em estúdio, o quarto de empregadas e o pátio anexo (sobre a garagem) em um laboratório coletivo e outro individual. Talvez a indicação tenha partido do Miltão, como era conhecido um jovem chamado Mílton cujo sobrenome nunca soube. Ele cuidou de encanamentos e eletricidade nas reformas e continuou como "agregado" da escola durante algum tempo.

Ele foi indicado por um amigo, o publicitário, editor e homem da Cultura Regastein Rocha. O Regastein acompanhou de perto a gestação da nova escola e se tornou conselheiro nos cálculos finais do preço a ser cobrado dos alunos. Como ele, outros amigos participavam dos preparativos contribuindo, com a simples presença para constelar um clima psicológico muito especial a impregnar, por fim, a própria enfoco.

No Rio de Janeiro, Vicente Formiga preparava o segundo cartazete, impresso em São Paulo, com a ajuda do Regastein. Era, no formato A2, um "e" minúsculo fora de foco e nele aparecia pela primeira vez "Escola de Fotografia". (No cartazete inaugural, feito pelo próprio Vicente Formiga, em silk screen, anunciou-se apenas um "curso de fotografia.) Para legalizar junto aos governos e pagar aquilo que nos é imposto, contávamos com Dona Cleci, com um escritório de contabilidade na Barão de Itapetininga.

Apareceram os fiscais enquanto corria a reforma, eu os acompanhei na inspeção. Em cada cômodo perguntavam o que seria o local e eu respondia: sala de aula. Eles, então, recitavam como reza "barra lisa, dois metros de altura, blá-blá-blá, blá-blá-blá". Concordei fingindo circunspecção e corri ao telefone a me socorrer com dona Cleci. (Não existiam, na década de sessenta, os telefones sem fio e portáteis.) Ela foi categórica: "o mais importante é não lhes dar nenhum dinheiro, nunca! Se você der eles voltarão sempre em busca de mais."

Segui à risca a recomendação e os funcionários públicos jamais voltaram para conferir o não cumprimento de suas absurdas determinações. Antes, porém, fui com eles até uma padaria, na esquina da alameda Franca, para um cafezinho, enquanto eles prolongavam o discurso na tentativa de me ilaquear e eu acedia, sempre sério.

Devo, aqui, retratar-me com o leitor pelo uso deste verbo até há pouco ignorado por mim, mas acabo de o encontrar no excepcional "A Pedra do Reino", de Ariano Suassuna, em atual0 releitura e não resisti à tentação. Ilaquear significa prender, enlaçar, enredar, confundir ou fazer cair em logro ou tentação. Por me ser surpresa tão grande, a nova palavra intrometeu-se, quase a revelia, no presente relato. A dona Cleci, meiga e afetuosa, percebendo meu interesse dirigido ao ensino e não à empresa, cuidava com o desvelo possível dos trâmites burocráticos e trabalhistas da escola. Quando do encerramento da firma, ela foi nos visitar, com o marido, já na Granja Viana, para levar os papéis e demais petrechos burocráticos.

Nesta ocasião se deu uma cena inesquecível: o casal visitante se impressionou com o piano de cauda, de um quarto de cauda, mas, ainda assim, um belo instrumento. Anucha, então, se pôs a dedilhar algumas passagens e, com isto, o interesse deles cresceu. Não lembro exatamente como, mas o marido "pediu" o tema de "Luzes da Ribalta", de Charles Chaplin e Anucha o tirou ali, na hora, e em pouco tempo o pode executar completo, para testemunhar o choro descontrolado do marido da dona Cleci.

Voltemos, no entanto, aos preparativos para a inauguração da enfoco - Escola de Fotografia, sucessora da curtíssima vida do curso enfoco, aquele da avenida Paulista. Em meio a toda agitação, cabia a mim e a mais ninguém, preparar as aulas, estabelecer um currículo, imaginar o que diria quando, frente a frente com os 24 olhos de uma turma - eram apenas doze mezinhas e doze cadeiras, como em algumas histórias infantis, herdadas do Curso Kubrusly, preparatório para vestibulares. Elas vieram de caminhão, remetidas por meu pai, para a inauguração do curso enfoco. A mim coube revestir seus tampos com fórmica branca, pois eram de madeira muito escura e muito usada - quando os doze olhares de uma turma, dizia se voltassem inquisitivamente em minha direção.

Por certo a experiência precursora, na Paulista, dava um certo alento, devido a um moderado sucesso nas precárias condições, sem estúdio e sem laboratório, razões teóricas determinantes da nova empreitada. Acresçam-se a isto as vantagens inerentes à pouca consciência de si, natural da juventude - eu completaria 25 anos... Sentia-me um quase super-homem, achava-me detentor de muito saber e com capacidade de aprender o que se fizesse necessário e, acima de tudo, há muito percebera o quanto gostava de ensinar.

Afinal, tinha mulher e um filho com um pouco mais de um ano, eu, uma pessoa com notórias dificuldades de relacionamento, sem nenhum traquejo social e muito medroso quanto a envolvimentos amorosos, graças ao pretexto de ensinar fotografia à linda modelo... Bem estes fatos extrapolam o domínio da história da enfoco, oito anos e meio da constelação de uma miríade de fatores favoráveis e muito agradáveis. Comecemos, então, do começo, quando, sem emprego vislumbrava a possibilidade de dar aulas de fotografia em uma instituição que, pouco depois, faliu. Num domingo, entrou porta adentro de nossa casa, na rua Quintana, um vizinho peculiar, o Plínio. (Infelizmente nunca soube seus sobrenomes). Brandindo um pedaço do então volumoso Estadão dominical, foi categórico: achei! Achei um lugar para você fazer o seu curso de fotografia. E para brincarmos com ele nós fingíamos bocejar e nem era preciso muita arte, ele logo bocejava de verdade, como reflexo e nós ríamos a valer. Mas ali era papo sério: ele trazia assinalado no jornal um anúncio e desde logo se oferecia com fiador, empresário que era, estimulando de todos os modos mais ousadia de nossa parte, medrosos e reticentes.

Fui com ele a uma imobiliária no centro de São Paulo e naquele dia mesmo assinamos os papéis necessários, ele a fiar, para alugar a sala 144, da avenida Paulista, 326. Conforme progredimos nesta aventura, se percebe ter cada rio inúmeros afluentes e cada memória poder provocar novos desdobramentos a avivar lembranças. Construí, com quatro sarrafos de peroba e algumas tábuas de pinho uma divisória, revestida com uma espécie de verniz verde e alegadamente anti-cupim, para criar um minúsculo recanto na exígua sala de modo a poder ter uma secretária, a querida Paula, que na época morava ali perto. Desta forma, com um mínimo investimento e forma muito precária, o curso enfoco teve uma ou duas turmas no segundo semestre de 1968.

Não sei se houve registro dos alunos da primeira turma, sei serem muito precárias as condições para um verdadeiro curso de fotografia. Os primeiros registros, feitos em papéis avulsos, foram compilados no ano seguinte em um grosso caderno de capa preta, com índice alfabético para facilitar abrir na página desejada. Daqueles pioneiros só consigo lembrar de um único aluno, o Rodrigo Whitaker Salles, que mais tarde escreveu contando sua própria visão daquela experiência.

Feche-se esta volta no tempo e retomemos os preparativos, agora, para a inauguração da enfoco - escola de Fotografia, na rua Batatais, no Jardim Paulista. Eram outros tempos, era outra São Paulo. Vizinha à escola, morava a então secretária estadual de Educação. Do outro lado da rua, existia, em uma casa antiga, uma tinturaria de um casal chinês. Do outro lado, a escola tinha como vizinho um terreno onde preparava o início de uma construção, a casa fora demolida. Ia começar a transformação: ali se ergueria um primeiro edifício... Hoje não existem mais casas por ali. Era uma rua arborizada e de pouco movimento...

Em certa ocasião, com a enfoco já em pleno funcionamento, ouve-se, de repente, no meio da tarde, um buzinaço na tranquila rua Batatais. Acudimos prontamente à sacada e o motivo estava bem defronte à escola: um carro, parado no meio da rua sem motorista a obstruir completamente a passagem, pois de ambos os lados havias outros automóveis estacionados. Neste momento, uma amiga e visita ilustre se identificou como responsável e correu a tirar dali o seu carro: Mônica Filgueiras, dona de uma famosa galeria de arte ali perto. Só não estou certo se ela deixara, também, a porta do carro aberta.

Já fica claro não se tratar, definitivamente, de um resgate histórico, com pesquisas e investigações jornalísticas sobre vestígios e documentos daquela época, mas apenas, de um esforço para avivar em uma memória os filmes esmaecidos daquele momento singular. No presente caso, por exemplo, a menção à amiga e célebre galerista, trouxe à baila, inexoravelmente, nosso primeiro encontro...

Impossível lembrar quem nos pôs em contato, mas lembro bem ser ela, então, ainda casada com o cineasta Hector Babenco. O casal morava em uma agradável casinha de vila na Consolação ou Bella Cintra, não estou certo, e trago ainda na memória momentos de nossa (não se trata de eu majestático, éramos, nós também, um jovem casal!) primeira visita aos dois...

É patente o desvio involuntário. Retomo,pois, a rota original, em busca de encadear lembranças relacionadas com a Escola de Fotografia. Tomemos os preâmbulos de sua gestação como ideia, como o desejo de ensinar Fotografia, cujas origens remontam ainda ao repórter fotográfico que nunca o foi da sucursal do Jornal do Brasil, desde a Barão de Itapetininga e, depois, na avenida São Luiz, como já mencionado. Ali, como em qualquer redação jornalística, éramos periodicamente visitados por vendedores ambulantes de livros e enciclopédias, entre os quais se incluía um jovem casal. Foram eles os primeiros a provocar o vislumbre de uma alternativa de vida, de ensinar Fotografia.

Tinham os jovens o propósito de fundar uma instituição voltada ao ensino de artes e ofícios não contemplados na escola tradicional e, por indicação de alguém, me propuseram elaborar um curso de Fotografia, para quando a tal empresa estivesse funcionando. A proposta criou raízes e sonhos em mim e desde então, comecei a imaginar aulas e recursos para tornar claros os princípios básicos do manuseio da câmara fotográfica...

O projeto dos jovens não vingou, mas a semente por eles jogada em minha mente não morreu com a inviabilidade do projeto de firma abortado. Entusiasmado, comentava com todos o desejo de ensinar, considerava-me capaz até por razões hereditárias - meu pai era professor de Matemática e o fora desde a juventude - além de um impulso natural, um gosto por ensinar. Ademais, conhecia muito bem minhas limitações como repórter. Tinha consciência de, em mais de uma ocasião, ter agido instintivamente como ser humano em vez de jornalista.

A partir deste entusiasmo, o sonho se avolumou até viabilizar-se com a intervenção dominical do Plínio, o vizinho, conforme já contei. Eram tempos difíceis, de ditadura militar no Brasil e final de uma década revolucionária mundo afora. Apesar disto, tenho a impressão de serem, então, mais fáceis as condições para uma aventura como foi o início da enfoco.

Aos 24 anos, transborda em nós tamanha energia, que os inevitáveis obstáculos de todo desafio são transpostos ao correr da pena, como poderia aludir metafórico contista. Procurei um antigo colega da Arquitetura (abandonei a Faculdade, nunca me formei), Vicente Formiga, no Rio de Janeiro. Ele se encantava particularmente com as artes gráficas e pedi, na cara de pau, uma solução gráfica para o curso de fotografia que pretendia criar em São Paulo.

Lembro-me bem ter tomado o ônibus para o Rio com uma angústia não resolvida: não tinha encontrado um nome para o curso e ele era indispensável, é óbvio, para a papelada e o cartazete desejados. Foi durante a viagem, em plena rodovia Presidente Dutra, que decidi por enfoco. Não me agradava muito, mas foi escolhido por absoluta falta de alternativa, por não ter nada melhor.

Vicente Formiga, a par de minhas loucuras e anseios traçou, fora da prancheta, as linhas mestras da apresentação visual da enfoco: padronizou a tipografia - enfoco seria sempre escrito com "Arial Black". Sugeriu se escrever sempre em minúsculas o nome (e marca) do curso que, mais tarde, virou Escola de Fotografia. Na ocasião, estabeleceu o uso da "Helvética" para Escola de Fotografia. Ele mesmo, Vicente Formiga, imprimiu os primeiros cartazetes, distribuídos a seguir em livrarias e outros pontos culturais.

A memória não é linear e dá pouca importância à cronologia. Ao reler em parte o texto acima, lembrei-me do primeiro ano da Escola de Fotografia, na rua Batatais, em 1969, quando morávamos na mesma casa onde a escola funcionava. Um grupo de possíveis alunos, insistia muito, literalmente, implorava, para a Escola criar uma turma matutina. Queriam muito fazer o curso, mas só tinham disponibilidade naquele horário, etc. Depois de muita perseverança, cedi e foi criada a única turma matinal da vida da enfoco.

Dela, me resta a lembrança de quando fomos duramente acordados, em uma manhã, pelo grupo de alunos a gritar sob a janela de nosso quarto... Nas noites, a última aula acabaria, teoricamente, às 23 horas, mas ia sempre um pouco além e, pior, saíamos com os alunos mais próximos para jantar. Bem perto existiam um restaurante árabe e uma pizzaria e acabávamos indo dormir muito tarde. Não era viável a turma da manhã.

Curiosamente, esta recordação traz outra, a ela relacionada apenas espacialmente, pois nos dois casos dialoguei com alunos a partir da janela do quarto, depois, sala da diretoria. Mas adiemos a história das alunas da turma da tarde, uma vez que já nos alongamos sem conseguir, ainda, inaugurar a Escola a substituir o Curso.

Busco em vão a essência de como as coisas se passavam em minha cabeça. Em meio àquele turbilhão providências, trabalhadores das mais diferentes especialidades, um entra e sai contínuo de materiais e pessoas estava eu a preparar a nova enfoco fisicamente e... uma entidade incumbida de ensinar a fotografar. Por mais que me esforce, hoje, não consigo recriar-me mentalmente naquela situação.

Restam na memória apenas pequenos clipes, algumas imagens vagas dos acontecimentos da época, sensações imprecisas de fragmentos dispersos, ora num canto, ora noutro da nova casa em final de reforma para servir de sede à nova escola. A confusão aumentava por, durante o primeiro ano, ali servir como local da Escola e, simultaneamente, moradia. Amigos e funcionários se misturavam no vaivém. Operários e fornecedores aguardavam, juntos e impacientes, atenção. Ignoro como enfrentei tais desafios e atribuo à juventude o feito de ter passado incólume pelos preparativos da nova Escola.

Em uma tarde, sentamo-nos à mesa da sala de jantar, Anucha, Regastein e eu, e manifestei minha total incompetência para definir o valor das mensalidades a serem cobradas dos alunos. Expus alguns cálculos possíveis e a vasta lista de variáveis impossíveis de prever com precisão. Conversamos os três sobre o sensível tema e como conclusão o Regastein sugeriu, com sua experiência de empresário bem sucedido: "se vocês ficarem em dúvida entre dois valores, escolham o mais alto, pois se isto diminuir o número de alunos, ao mesmo empo compensa tal diminuição e vocês com o mesmo resultado com menos trabalho".

Não consigo mais lembrar se na inauguração da Escola de Fotografia, substituta do primitivo curso enfoco, estava à frente da Secretaria a Paula, secretária na Paulista, ou a Lourdes ou Lurdes (queimei a papelada fiscal da firma após o seu fim), tratada por todos de Lurdinha. Sei da volta da Paula, mas creio que se deu mais tarde, após um "período Lurdinha". Seja como for, uma das imagens persistentes é a de vários candidatos a aluno aguardando vez para efetuar a matrícula - nem sequer se exigia a apresentação de um documento, eram outros tempos, outros costumes! - ali, na exígua varandinha de entrada transformada em secretaria. Parecia que ia dar certo! As pessoas faziam seus cheques e logo a secretária passava ao seguinte.

Logo eu teria que começar a primeira aula na nova Escola. Nestas ocasiões nos envolvemos intensamente com os fatos e as emoções a eles associadas e, talvez por causa disto, deles quase não reste memória alguma. Em outras palavras, aquilo mais intensamente vivenciado passaria sem deixar vestígios, rastro algum, nenhuma lembrança. Sendo assim, permaneceriam mais vivas na memória as coisas mais pensadas do que experimentadas, o acontecido mais no cérebro do que na realidade. Não sei. Que fique o palpite a provocar os especialistas.

Procurava lembrar de fatos e histórias da enfoco e quanto mais buscava encadear as esparsas e imprecisas recordações, mais percebia a total ausência de qualquer "filme" em minha mente justamente em relação aos momentos cruciais, aqueles vivenciados com maior arrebatamento. Tudo isto é muito novo para mim e, sem qualquer estudo, me parece ter algum sentido.

Ainda uma tentativa de expressar o clarão instantâneo de percebimento: a vivência plena do presente se esgotaria em si sem deixar vestígios nem projetar o porvir. Pareceu-me fixar na memória apenas os momentos quando se age com base em planos do passado e expectativas para o futuro. Só nesta condições vicejariam os ingredientes capazes de fixar a experiência na memória.

Ao tentar reavivar as lembranças daquele final da década de sessenta e primeira metade da seguinte, clareou-se, como um lento amanhecer, ser algo imaterial o objeto inconsciente de minha busca, impossível, portanto de encontrar através de documentação ou pesquisa. É possível, e até provável, restarem traços "daquela essência imponderável da enfoco" no íntimo de muitas pessoas, participantes na época do ambiente da Escola ou testemunhas apenas do ambiente produzido por aquela experiência, apesar de se viver, então, sob permanente temor e ameaças da ditadura militar.

Tais suposições podem estar erradas, pois meu ponto de vista é singular como idealizador da enfoco e timoneiro, com Anucha, dos rumos iniciais da empreitada, por enquanto, todavia, me vejo na tentativa de descrever algo indescritível, tentar pintar com palavras a "aura" da Escola, constelada por muitos acasos e muitas pessoas.

O que lembro, e confirmo ao conversar com quem compartilhou aquela experiência, é algo intangível, uma qualidade imaterial - e o afirmo sem qualquer viés místico - um estado de espírito a, de certo modo, envolver todos ali reunidos, inclusive quem, por mera curiosidade se aproximava e usufruía o momento agradável. Poderia ser descrito como se o Olimpo houvesse determinado a criação daquele conclave para deleite supremo de deusas e deuses. Não sei falar de fenômenos psíquicos, daquilo que somos além das explicações físicas e medicinais, além do que a Matemática pode medir, mas nem por isto sou menos sensível ao que nos ultrapassa e não sabemos definir.

Não fora planejado. Sim, a Escola era fruto de um projeto, consequência de uma ideia, mas aqui me refiro ao que ultrapassa o mero ensino de Fotografia, à Escola e sua estrutura física e burocrática. Falo de um especialíssimo ambiente de convívio humano. É preciso ressaltar, aqui, uma importância decisiva de Anucha na criação desse ambiente, alguém particularmente dotada e voltada às relações interpessoais. Pelo menos nos primeiros tempos a enfoco foi uma pequena ilha social onde o entendimento superava as desavenças, onde todos pareciam menos invejosos, menos gananciosos, menos competitivos e a mútua colaboração era um traço de união. De novo, pode ser uma visão deformada por meu ponto de vista, mas ouso enunciá-lo até como provocação a eventuais contraposições.

Não é mais possível ignorar o caráter pessoal e nada histórico e tampouco jornalístico destas anotações. De início pensei em registrar um ou outro fato, contar uma historinha ou outra, brincar com a memória, provocando-a como se fosse um game. Com o desenrolar das primeiras anotações tornou-se evidente a busca pelo registro, dentro do possível, desse lado imaterial daquela experiência ou, como disse em outra parte, a magia existente em torno da enfoco - Escola de Fotografia. No começo ignorava ser este o verdadeiro motivo a me incitar a estas anotações. Acabo de o esclarecer para mim. Continuemos, para ver como muitas coisas se encadearam na sucessão de acasos a constelar mais e mais aquela enfoco imaterial.

Naquele ano da inauguração de 1969, o Jornal da Tarde publicou uma espetacular matéria sobre as catadoras de caranguejos do Nordeste brasileiro, a partir das fotografias memoráveis de Maureen Bisilliat. "Caranguejeiras", exposto como capa e contracapa nas bancas de jornal se impunha a todo olhar como desafio intrigante e contundente. Diante da reportagem não tivemos dúvida: precisamos encontrar esta mulher, trazê-la para lecionar na enfoco.

Não sei mais como obtivemos o telefone de Maureen, em tempos com todos os telefones inexoravelmente presos a um fio, mas conseguimos, ligamos e marcamos para conversarmos, na rua Bella Cintra, na residência da fotógrafa das Caranguejeiras. Eu tinha uma ligação oblíqua com o Jornal da Tarde pois, nos tempos recessivos da ditadura, sua criação abriu a vaga para repórter fotográfico, na redação da sucursal do Jornal do Brasil, de onde Oswaldo Maricato saiu para trabalhar no novo empreendimento de "O Estado de São Paulo", então ainda dos Mesquita, vaga por mim preenchida. Conhecia o Murilo Felizberto, idealizador e criador do Jornal da Tarde, desde o Rio de Janeiro, na redação do Jornal do Brasil e, por isto tinha trânsito facilitado naquela redação.

Abro um parêntese apenas pelo pitoresco da situação a realçar as formidáveis mudanças introduzidas na vida de todos pelos computadores, prestes a deslanchar como ferramenta universal e essencial: fui com o Murilo, em uma tarde ensolarada, a uma papelaria na rua Xavier de Toledo, onde ele comprou as folhas de "Letraset" para criar o logotipo do novo jornal. "Letraset" era um processo de transferência a seco, letra por letra, da folha original para um suporte apropriado, em geral, um papel especial para artes gráficas. Feche-se o parêntese.

Conto tudo isso para justificar a obtenção do telefone de nossa futura mestra e pessoa importantíssima na formação de uma escola com as qualidades imateriais mencionadas. Não lembro como aconteceu mas é provável que tenha sido na redação do Jornal da Tarde. Combinado o encontro, o acaso fez desta ocasião uma tarde muito agradável a entrar noite adentro. Os quatro, Maureen e Jacques, Anucha e eu nos entendemos maravilhosamente. Começava ali uma amizade duradoura.

É preciso não esquecer a contribuição indireta à Escola, trazida pela amizade com os Bisiliat. Através deles conhecemos, por exemplo, Pietro e Nina Bardi. Ela, autora do arrojado projeto do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - MASP e ele, dono de importante galeria de arte e, na época, diretor daquele museu.

Deste conhecimento, lembro-me bem de uma visita ao MASP conduzida pela arquiteta. Percorremos juntos todo o prédio enquanto ouvia suas observações sobre o edifício suspenso em duas gigantescas vigas (agora destacadas em vermelho) e sua preocupação em preservar a vista dali a se estender sobre a Avenida Nove de Julho até o Vale do Anhangabaú. Foi a única ocasião em que conversei com a arquiteta, entre outras muitas obras de São Paulo, das instalações do Sesc - Pompéia.

Suspenso, o MASP criou uma praça pública espetacular, toda calçada de paralelepípedos, de onde uma escada e um elevador dão acesso ao museu. Graças a isto, a enfoco promoveu dois eventos naquele espaço espetacular: o primeiro quando, no chamado vão livre, estava instalado um pequeno circo e se promoveu uma aula prática com os alunos tendo aquele espaço como tema e, o segundo, no grande auditório do MASP, onde se realizou um julgamento público dos trabalhos dos participantes de um concurso entre os alunos da Escola. O vencedor, pouco depois, seria indicado para governar o Estado de São Paulo: Paulo Egydio Martins.

Outros relacionamentos advindos da convivência com Maureen Bisilliat foram com Cláudia Andujar e seu então marido, George Love. Ambos frequentaram a Escola e ali proferiram algumas palestras. Não lembro como Cristiano Mascaro, além de Maureen, veio a se tornar um do professores regulares da enfoco. Mas ficamos muito amigos e, depois até vizinhos.

Sobre a Maureen, há muito a se contar, mas ficará para mais tarde, pois neste nosso voo desgovernado, seguiremos sem censurar alguns volteios descabidos sobre temas secundários. Maureen foi contratada e não tenho a menor ideia dos valores combinados. Ia-se assim, a toque de acasos, forjando um jeito de ser, constelando aquilo que uma empresa não tem, sua "personalidade". Ela, com sua vivência e seu jeito único, com leves vestígios de um acento poliglota, com sua inteligência privilegiada e rápida apreensão do entorno, encantou prontamente os alunos e os donos da Escola. Trouxe ventos de outros quadrantes e, aos poucos, definiu muito do ensino mais imponderável, daquilo a extrapolar a técnica e a tecnologia.

Depois de ver esses aspectos de minha relação com as recordações da enfoco, parece sem propósito nem sentido qualquer esforço para resgatar essa ou aquela lembrança, para relatar um ou outro episódio retido na peneira das lembranças. Não sei ainda se insistirei com este banco de dados ou pura e simplesmente optarei pelo ponto final. É interessante ver-se em posição de tomar tais decisões, Deus de seu próprio texto, a fazer e desfazer a seu bel prazer. Busquei, sim, interlocutores, procurei prévia conversa sobre o tema antes de manchar com a pluma embebida a alvura imaculada do papel, mas apenas uma voz acudiu e sua eloquência desencadeou a verborragia que nos trouxe até aqui. Veremos os desígnios do Acaso e as surpresas do Mistério a traçarem os próximos passos desta empreitada.

No primeiro ano da nova sede, boa parte do imóvel era ocupado como residência, pois este uso misto baseara a decisão de arriscar a troca de dois aluguéis (uma pequena casa geminada, no Brooklin e uma minúscula sala na Paulista) por outro bem mais caro. Ficavam, então, destinados à Escola a garagem (transformada em estúdio e o laboratório, construído sobre ela, a pequena varanda transformada em secretaria e a primeira sala, anexa à varanda, onde aconteciam as aulas, com os alunos ocupando as mesmas mesinhas e cadeiras fabricadas no Paraná e usadas no velho Curso Kubrusly, no final da década de quarenta e início da seguinte.

Chegou o primeiro dia de aula, a primeira turma da nova Escola, sucessora do Curso enfoco, e da própria aula. Como já expliquei antes, não restou nenhuma memória, apenas o vácuo de uma aula que se foi. A sala de aula era separada do resto da "residência" por apenas uma passagem, em forma de arco, devidamente fechada por uma chapa de madeira compensada, na qual se providenciara uma pequena abertura para eventual comunicação e passagem de pequenos objetos. Pessoas só poderiam ter acesso à parte residencial por uma entrada lateral da casa.

Findo o primeiro dia, após as duas aulas inaugurais, dispersos os alunos e findas as conversas após a última aula, percorri aquele trajeto e entrei em casa como qualquer um depois de um dia de trabalho. Aguardava-me, então, uma grande surpresa: o professor foi recebido em casa com uma espetacular chuva de papel picado, eram notas de dinheiro e cheques de alunos chovendo sobre mim. Levei alguns segundos para compreende de que se tratava. Nossa coragem quase irresponsável prometia muito sucesso...

Este episódio, sim, se fixou-se muito nítido em minhas recordações e, ao lembrá-lo agora, surge um desejo impossível de o poder reviver para reagir com a cabeça atual à cena do início de 1969. O susto e o espanto provocados por aquela chuva de dinheiro não me permitiram reagir com a alegria e o carinho apropriados à pitoresca cena familiar. Estar apto a ensinar Fotografia não me credenciava, via-se ali, a saber ser um bom marido e um bom pai...

Em outro aspecto inesquecível desta época me vejo, fora do horário das aulas, na sala de aulas em procura febril de aprender Fotografia, pois teria pouco depois de a ensinar... Assim a memória registra flashes insignificantes, desprovidos de quaisquer dados concretos, mas eleitos não se sabe por quais critérios para um registro indelével ou para desaparecerem em pouco tempo. Vale assinalar estarmos agora e aqui a registrar lembranças de um ancião sobre acontecimentos de sua juventude, quando tinha ao redor de completar 25 anos.

Possa ao final esta colcha de pequenos retalhos se tornar de alguma utilidade para alguém, em algum lugar. Vislumbro o leitor de um futuro distante a percorrer estas linhas num grande esforço para visualizar um mundo, às vésperas da primeira pegada na Lua, com telefones inexoravelmente presos a um fio e câmaras fotográficas mecânicas, para registrar sobre uma película fotossensível a sofrer, posteriormente, um complicado processo químico para a revelação da "imagem latente" nela registrada etc. etc. Caro pesquisador do futuro, concentre-se no presente. Ele é vasto e de difícil percepção. O futuro e o passado não passam de imaginação...

É sempre possível aperfeiçoar - eis a fraqueza da perfeição! Seja o que for, pode-se sempre melhorar aqui, corrigir acolá e, findos melhoramentos e correções, sempre aparecerão novas possibilidades de aprimorar e melhorar. Parece existir em nossa herança distante um impulso forte a buscar sempre fazer melhor, a aperfeiçoar meios e frutos do qualquer humano esforço. A busca da perfeição não precisa ser ensinada, nasce com cada indivíduo. Todavia, por sua própria natureza, ela pode se transformar em um fator de perene adiamento, uma impossibilidade de concluir, a negação de uma obra acabada.

Aquela chuva de papel picado - picado na origem e não para a celebração -, papéis tão valorizados pela sociedade sublinhava a importância decisiva de sua mentora, Anucha, na obtenção do equilíbrio imprescindível à constelação dos fatores imponderáveis geradores da Escola de Fotografia. Alguém permanecia atenta ao mundo físico, à voz irrevogável de nossos estômagos, às necessidades de uma criança de um ano e meio, nosso filho.

Isento de qualquer planejamento, a complementaridade de nossos jeitos de ser se mostrava efetiva para fazer uma escola de Fotografia. Um deslumbrado com a compreensão de processos e teorias sobre os rudimentos da técnica fotográfica e outra pronta a ajudar em tudo, tudo mesmo, sem se deixar levar por sonhos, devaneios ou outras quimeras. Emergia dali o equilíbrio a permitir a convivência da necessária fantasia com a imprescindível realidade. Anucha sempre foi a alma da enfoco.

Desencadeado um processo, ele segue conforme as marés e correntezas e, como barqueiro impotente face ao ímpeto do oceano, se procura determinar o rumo da embarcação por meio de remos ou hélices e lemes, mas as forças ambientais são, em geral, mais poderosas na sucessão de acontecimentos. A nova escola, em uma rua arborizada do Jardim Paulista, paralela a seu primeiro endereço, trazia a cada noite um pequeno enxame de alunas e alunos e, eventualmente, pessoas a eles relacionadas, além de amigos nossos e simples curiosos. A movimentação, os rumores, a convivência, tudo junto eram "as forças dos mares" e suas indóceis correntezas. Nós éramos levados de roldão pelos acontecimentos, agora com um programa de trinta e duas aulas encadeadas, a necessidade de preparar material didático e os mais desafios inevitáveis em qualquer relacionamento humano.

Cobro, agora, de minha memória a lembrança minuciosa daqueles acontecimentos intensamente vividos, como corredeira rio abaixo, e decepciono-me com a parca pescaria resultante. Ainda assim, sigo adiante, torcendo para algum imprevisto provocar o afloramento do que a memória oculta em seu imo. Não sou mais capaz de visualizar uma única turma, aluno por aluno. Não tenho mais como situar um aluno neste ou naquele ano - a enfoco tinha turmas de doze alunos, como já contei e funcionou na rua Batatais do início de 1969 até o primeiro semestre de 1976. Eram duas aulas noturnas por dia, uma às 20horas e outra às 21h30 (cada aula durava uma hora e meia) e havia turmas de segundas e quartas ou terças e quintas. A sexta-feira se tornou, naturalmente, dia de atividades extracurriculares, como palestras, apresentações e até projeção de filmes.

Não sou mais capaz de lembrar quem emprestava o projetor, 16 mm, usado pela Escola. Ele vinha e voltava a cada sexta-feira de cinema. Os filmes eram obtidos junto a consulados, com a chancela de uma Escola a facilitar os trâmites. O principal fornecedor era o Consulado do Canadá, onde sobressaiam os trabalhos de Norman McLaren e outras produções do National Film Board. Um ex-aluno da escola, que veio a falecer muito jovem, se ofereceu para fazer o tráfego das películas entre a Escola e o consulado canadense, na avenida Paulista. Quando obtivemos uma cópia do recém-lançado "Pas de deux", de McLaren, não podíamos imaginar se acabarem com ele as sextas-feiras cinematográficas: antes de devolver a película ao Consulado, o ex-aluno, cujo nome omitirei, picotou o filme para ficar com alguns fotogramas ou trechos ou por alguma razão insondável. Fui pessoalmente ao Consulado, expus toda situação e me esmerei nos argumentos, me ofereci para ressarcir os prejuízos - tudo em vão, a enfoco estava definitivamente banida dos empréstimos dos belos filmes canadenses.

Em uma dessas sextas culturais, dois performers dançarinos fizeram uma apresentação no estúdio da Escola, improvisado como auditório. Circe e Donato, os artistas performáticos, em um ambiente em penumbra dançaram entre as cadeiras da plateia enquanto desenovelavam lã colorida, presa nos extremos em pontos previamente preparados. Ao final do espetáculo, o público via preso pelos fios de lã e precisava se desvencilhar da trama tecida durante a dança. Nunca mais tive notícia do Donato. A Circe, todavia, iniciou ali uma longa e proveitosa relação com as enfoco.

Artista performática, Circe, fez diversas intervenções na cidade de São Paulo em uma época anterior ao conceito de "instalação". Dispôs-se a posar nua para as turmas do segundo ciclo. Tanto se confundiu com o espírito da Escola que, já nos derradeiros anos, a convidei para dar uma aula, para uma turma da tarde, podendo ela escolher o tema, a forma e sua própria performance. Tínhamos uma sala sem carteiras, com um banco largo ao longo de todas as paredes, convergindo as atenções para o centro da sala. Foi este o cenário da aula da Circe.

Sentei-me entre os alunos, em uma das almofadas sobre o banco largo, para assistir com eles a aula da Circe e, assim como os outros espectadores, acabei constrangido com a naturalidade e o imprevisível de sua lição. Ela contou-nos um pouco de sua história, nos falou de sua experiência como artista de circo, não lembro mais, mas acho ter falado de uma história com macacos e amendoins, falou de seus projetos artísticos, passados e futuros para, concluir sua exposição abordando a questão da nudez, ela modelo que já posara sem roupa inclusive para aquela turma. Enquanto falava, caminhando de um lado para outro da sala de aula, um quarto com cerca de doze metros quadrados, ela com uma naturalidade contundente foi tirando uma após outra cada peça de suas roupas, até ficar completamente nua a poucos palmos do nariz de cada um.

Como antecipei, a experiência não me pareceu agradável para ninguém. Não era possível comparar s modelo nua, em uma aula de estúdio, com luz apropriada e em um quase "palco" definido pelo fundo infinito com a performance daquela aula a desafiar os limites da privacidade, da intimidade e das convenções. Aproveitando o tema da nudez - aquela que Nelson Rodrigues queria sempre castigada - retomo o caso já mencionado, de uma outra turma da tarde. As turmas da tarde raramente tinham os doze alunos. Costumavam ser menores e com marcado predomínio feminino (uma explicação possível: os "maridos" estariam no trabalho naquele horário). Aquela turma em particular se compunha apenas de senhoras, não por uma deliberação qualquer ou com algum propósito, mas apenas por ter calhado de assim ser.

Uma bela tarde, andes de iniciar a aula, elas fizeram a proposta. Queriam fotografar no estúdio, sem a presença do professor ou qualquer outra pessoa além delas. Não havia razão alguma para negar e, em vez da aula programada, elas se encerraram no estúdio da escola com suas câmaras, as luzes de sempre e, supõe-se - filmes em seus equipamentos. Logo após se fecharem, uma ou duas vieram perguntar alguma coisa e as atendi desde a janela, como na ocasião em que fomos acordados pela turma da manhã...

O resumo da história: na aula seguinte apenas uma parte do grupo apareceu. Algumas delas jamais voltaram. Nunca perguntei o que se passara durante hora e meia, ou mais, naquele estúdio improvisado na garagem da casa. Jamais vi nenhuma das fotografias feitas na ocasião. Imaginei comigo terem elas se fotografado reciprocamente, todas despidas, mas isto era e continua sendo apenas conjectura. Faltava muito pouco para o término daquele curso e o mistério da aula sem professor se foi com aquela turma.

A simples existência de milhões de espécies testemunha a eficácia dos processos eleitos pela Seleção Natural para perpetuar a Vida e entre eles um primitivo hormônio se destaca no reino Animal: a testosterona. Basta observar o comportamento de qualquer macho, escravizado por suas implacáveis determinações hormonais. As aulas com modelos nus, e foram muitas a posar para os alunos, punha em ebulição as emoções masculinas, mais em uns do que em outros. Mas não se restringiram a essas aulas as manifestações explícitas da testosterona.

Uma noite, pouco antes do início da primeira aula, fui chamado por aluno à calçada defronte da Escola. Ele, falando em surdina e com um ar meio misterioso, me pediu para, caso sua esposa telefonasse para e Escola procurando por ele, fosse dada uma desculpa (não lembro mais os detalhes), pois ele aproveitaria o horário da aula para fazer outras coisas... Não houve nenhum telefonema e o assunto morreu ali. Este é apenas um caso das sempre complicadas interações entre as pessoas, mas apesar de eventuais embaraços, o clima nas relações dos alunos com a enfoco, e vice-versa, sempre foi muito bom. Um belo dia apareceu uma jovem francesa - e não era a primeira a procurar a Escola - e contou não poder pagar o curso que desejava ardentemente fazer mas, explicou, ela era bibliotecária e poderia, como pagamento, organizar nossa biblioteca. Na época, já contávamos com uma boa coleção de livros, sem falar das coleções de revistas que mandara encadernar (elas foram fonte importante de aprendizado para mim) e fizemos negócio, Chamava-se Monique e estabeleceu a inclusão de um carimbo na página 13 de cada obra além da burocracia com as fichas para o controle dos empréstimos aos alunos. Ainda assim, dois belos livros nunca foram devolvidos...

A outra francesa, das primeiras turmas, acabou se tornado amiga e frequentávamos mutuamente nossas casas. Era Simone Monteil, a querida Monette. Ela foi um pouco madrinha da Escola e viabilizou várias exposições realizadas antes da criação da Galeria enfoco. Trouxe, também, muitos amigos como novos alunos.

Entre as seis ou sete exposições organizadas pela Escola, anteriores à existência da Galeria, uma foi totalmente devida à Monette, com o tema de fotografia estereoscópica. Um de seus amigos, francês também, comprou em Paris, no mercado de pulgas, grande acervo de antigas fotografias e equipamentos estereoscópicos, uma mostra completa e se prontificou a emprestar tudo para a exposição. Completamos o trabalho, com grande envolvimento da Maureen, selecionando, entre velhos negativos estereoscópicos, algumas imagens para ampliar sobre papel prateado. Eram nus femininos na Natureza. Mulheres entre riachos, pedras e vegetação, se possível, florida.

Como era grande a quantidade de transparências estereoscópicas manualmente coloridas, improvisamos uma mesa de luz com os originais prensados entre duas lâminas de vidro. O senhor Bouteau, este o seu nome, trouxera até uma geringonça para um espectador assistir em sequência a essas transparências, mudadas por meio de uma alavanca grande e externa. Parecia tudo perfeito, as cândidas modelos em sua poses pudicas sobre fundo prateado, a grande mesa, iluminada por baixo, de transparências etc. Foi nesta sala que um aluno sofreu um ataque de epilepsia e caiu sobre a tal mesa quebrando os vidros e algumas das transparências emprestadas pelo senhor Bouteau. Felizmente ninguém se machucou, ninguém se feriu e tudo se restringiu a um susto imenso aplacado pela chegada de um médico, providenciado por um dos presentes.

Outra das exposições prévias à Galeria, mostrou o trabalho experimental de um aluno bolsista, Antônio José Saggese. Ele fragmentou garrafas de Coca-Cola com tiros de espingarda, colocadas sobre papel fotográfico e depois acendia brevemente a luz ambiente antes de revelar as folhas de papel. Saggese foi trazido por outra aluno, Hilton Ribeiro, que se tornou um especialista em fotografia de automóveis em estúdio, para campanhas publicitárias. Lembro-me ainda, entre essas primeiras mostras, de uma com os resultados de um concurso entre os alunos. O vencedor foi o mesmo aluno do episódio epiléptico.

A Galeria enfoco nasceu de uma proposta de um ex-aluno e frequentador habitual da biblioteca da Escola após o término dos cursos, Paulo Mello, médico e sócio do Laboratório Fleury. Ele sonhava em ter uma galeria de fotografia, provavelmente inspirado pela fama de Stieglitz e sua "An American Place", e propôs fazermos uma juntos e fizemos. Um ou dois dias antes da inauguração da Galeria, deu-se uma cena quase cômica, quase de faroeste ou quase mafiosa.

A pequena sala anexa à varandinha, dela separada por um vão retangular, aquela que fora a primeira sala de aula na rua Batatais, foi destinada à Galeria e, para tanto, ganhou uma porta de vidro blindado no arco que a separava do resto da casa, sua paredes foram pintadas de preto, inclusive o teto, salvo um quadrado central, branco como na origem. Ele seria contornado pelos trilhos eletrificados, encomendados em uma moderna loja da rua Oscar Freire. Neles poderiam ser fixadas luminárias especiais para lâmpadas parabólicas visando uma iluminação adequada das fotografias expostas.

Infelizmente, o vendedor não entregou a encomenda no prazo prometido. Estava tudo pronto exceto pelos trilhos e refletores comprados para a nova Galeria. Sem iluminação, qualquer exposição ali simplesmente não existiria, dada a escuridão do ambiente. Os convites foram impressos e remetidos pelos correios, as fotografias montadas e penduradas, mas nada, o vendedor tentava nos enrolar com desculpas esfarrapadas.

Um ou dois dias antes, uma ou duas noites antes da inauguração, tomamos uma decisão da qual lembro-me apenas da ação. Fomos à loja chique, do bairro chique, o Paulo Mello, o Miltão e eu e fizemos ameaças ao dono da loja, caso não nos entregassem a tempo os benditos trilhos com seus refletores e lâmpadas especiais... Para minha alegria e surpresa, funcionou! No dia seguinte recebemos o material, o Miltão fez a instalação e a Galeria foi bastante elogiada na inauguração por sua iluminação...

A Galeria funcionou durante o ano de 1974. Paulo Mello ia todas as tardes e ficava à espera de possíveis visitantes enquanto sonhava com compradores, mas ninguém comprava fotografias naquela época. A Galeria teve um visitante ilustre, presente em todas as vernissages: José Mindlin, pai de duas alunas da escola, Diana Mindlin Loeb e Betty Mindlin Lafer...

Cabe aqui registrar um aspecto pessoal, uma idiossincrasia sem a pretender explicar: tenho os convites de todas as exposições, alguns devolvidos pelos correios, outros de sobras das impressões, mas quando se trata de procurar na papelada em vez da busca nas sinapses adormecidas minha preguiça assume proporções jurássicas. Desde de início deste tema falei-me: precisas pegar os convites... e adio e adiarei ainda agora tal providência por pura preguiça. Quando o fizer, listaremos uma por uma as exposições e os expositores da Galeria enfoco.

Mencionar as sobras das impressões trouxe a memória as precaríssimas primeiras apostilas de incipiente Escola de Fotografia, datilografadas em um papel especial, contra um carbono igualmente especial (portanto o texto saía espelhado pelo carbono no verso da folha) para criar a matriz da mimeografia à álcool... No mimeógrafo cada folha era levemente umedecida com álcool antes de ser prensada contra a matriz. Era uma impressão precária, arroxeada, mas distribuíamos assim nossos textos básicos. Vivíamos em um mundo pré-digital e as soluções eram sempre assim, mecânicas.

Lembro-me, sem precisar de convite, da primeira exposição, a da inauguração quase no escuro: "Casa de Farinha", com belíssimas imagens feitas nos alpendres de Casas Grandes do sertão nordestino destinados a processar a mandioca para o preparo da farinha. Neles, trabalhavam mulheres humildes em uma faina inclemente. Tudo muito lindo, as mulheres, os velhos alpendres e a farinha muito branca mas, principalmente, as fotografias de Ana Helena Mariani (talvez, na época, ainda Ana Helena Moreau). Mais tarde, a mesma Ana Helena faria uma segunda exposição, também com mulheres em árduos ofícios, também nordestinas: "Piaçaveiras". (Quando me animar a procurar os convites, veremos quanto me engano com minhas lembranças.)

Volto meus olhos de volta à Escola e paira uma interrogação imensa e inevitável na convivência de muitas pessoas razoavelmente confinadas em salas de aula, estúdio, laboratórios, inclusive o individual que podia ser alugado por alunos e alunas e ter a supervisão de monitores - e a enfoco teve um grande número de monitores e monitoras! - em suma, esbarravam-se ali belos rapazes e moças muito bonitas, senhores faceiros e jovens senhoras e a história da vida garante a perene busca de perpetuar-se no legado de seus genes, posto estarmos todos com a morte garantida. Vejam, conto apenas conjecturas, hipóteses apenas imaginadas, o óbvio ululante sem qualquer possibilidade de comprovação, por mais prováveis que possam ser. Trata-se daquela parte da história ressaltada nas novelas mas, quase sempre, omitida o mais possível na vida real.

Esvoaçam fragmentos não sabidos, apenas intuídos de vestígios traduzidos de um rosto, de um sorriso ou um traço de dor ou do súbito fulgor em um olhar ou, como disse um poeta maranhense, de "ternos olhares cruzados", para ele, "corações que se beijam". Que possam ir com a correnteza do Tempo e sumir nas profundezas do oceano! Aquilo que transbordava tamanha energia na alvorada dos setenta, capaz de mover montanhas e as levar até Maomé, hoje se extinguiu e mesmo suas cinzas mal poderiam delinear o que foi. A perspectiva adquirida pelo tempo transcorrido dimensiona melhor cada feito, cada fato, cada emoção.

Um obstáculo ao fluir desimpedido das lembranças relacionadas à enfoco são os limites imprecisos entre a memória da Escola e lembranças de minha própria vida. De repente, me ocorrem recordações concernentes apenas a mim, descabidas neste registro ou em qualquer outro. Outro empecilho seria falar do rodriguiano óbvio ululante. Contar os progressos do material didático, das facilidades disponibilizadas aos alunos, do traquejo adquirido por todos envolvidos com o ensino e aprendizado de Fotografia, do reconhecimento crescente da enfoco junto à imprensa e à sociedade.

Vieram convites para participar de juris e mesas de debate, saíram notícias da Escola e de seus alunos mais notórios. Por uma ou outra razão, inscreveram-se algumas personagens habitués de colunas sociais e vimos fotografias suas ali destacadas - como em qualquer sociedade animal cada membro encontrava a sua posição e veladas hierarquias, alianças amizades e inimizades se estabeleciam. Os seres humanos são muito sociáveis, bem o sabemos, e capazes também das piores guerras.

Um belo dia, caminhei ao lado de um desses alunos, relevantes na Sociedade, até o estúdio da Escola, onde uma turma se exercitava. Ao chegarmos na porta, ele recuou e me puxou. Cheio de espanto, encarou-me de frente e perguntou: "você sabe quem está ali!?!?!". Respondi serem todos apenas alunos, disse que ninguém era especial e Henry Abreu, herdeiro do Banco das Nações, então me indicou um aluno em particular e contou se tratar de um dos cogitados para assumir o governo do Estado, embora vivêssemos em uma ditadura onde os governadores não eram eleitos, mas indicados "pelas autoridades".

Pouco depois, em uma aula teórica, o engenheiro e empresário Paulo Egidio Martins interpelou-me, desafiou-me com algumas perguntas e, por fim, se levantou para, diante de todos, vir até a frente e me cumprimentar, abraçar e contar ter sido aluno de meu pai, no Curso Kubrusly. Pareceu-me ter um carinho muito especial por aquele curso da rua Sorocaba 674, na alvorada dos anos cinquenta. Na enfoco, se inscrevera junto com sua mulher, Lila, que teve, mais tarde, um importantíssimo papel para a Escola. Alguns dos filhos do casal também frequentaram a Escola mais tarde. Em 1975, com a troca de Medici por Geisel, Paulo Egídio foi nomeado, de fato, Governador do Estado de São Paulo.

Após concluir o curso, Lila nos procurou para oferecer presentear a Escola com um Jardim. Contou histórias sobre estar estudando jardinagem e que queria muito fazer um jardim para a enfoco, como exercício na nova profissão, disse para não nos preocuparmos com nada, que ela cuidaria de tudo etc., etc. Dito e feito, ela criou um canteiro nos fundos, sem quebrar o piso, em ele, onde colocou vários xaxins altos, além de outras plantas, tudo muito bonito, muito bem-acabado, coisa fina mesmo. Da mesma forma, cuidou do pequeno canteiro existente na frente da casa onde plantou pinheirinhos e outras plantes rasteiras.

Ora, os melhores dias das vidas de Adão e Eva foram vividos em um Jardim. Agora, no auge de sua existência a enfoco ganhava um delicioso e lindo jardim, a tornar o ambiente muito mais agradável e, é óbvio, muito mais saudável. Uma outra aluna, também especialista em cuidados vegetais, se encantou com a novidade e me deu instruções detalhadas de como cuidar dos xaxins muito elogiados por ela. Era Maria Eudóxia Melão Figueiredo, simpaticíssima e muito articulada. "Regue pelo menos um minuto a parte de cima, onde as folhas nascem" - instruiu. Seguimos suas recomendações e os xaxins cresceram exuberantes.

Fica-me sempre uma incômoda sensação, quando conto sobre alguma amiga ou amigo da Escola, de omitir por esquecimento um grande rol de outros nomes igualmente amigos e importantes. Não é apenas uma sensação, mas a certeza da omissão involuntária. Repentinamente, toma-me o sentimento da imensidão do absurdo de pretender contar o que já não é mais. Ao fazer, dia após outro a Escola como ela foi, não cogitávamos de um futuro, cuidávamos do presente e também isto fez as coisas serem como foram.

Melhor seria atentar ainda ao presente e deixar quieto o que não é, foi. Quem detestava as aulas de História não deveria mesmo pretender recuperar memórias, lembranças, precárias conexões de neurônios ou como quer que seja gravada em nosso cérebro cada recordação. Isto posto, ponto final.

 


 

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