Crônica do dia
Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Estação da luz

20/03/06

A última noite do verão foi esplêndida! Quente, de ar imóvel, silenciosa, salvo um grilo solitário de voz poderosa e céu límpido, dominado por Órion, não, por Sírius - ah, com um céu desses não há hierarquias! - até o nascer da Lua, mais tarde. Cedo, Marte e Saturno e quando o primeiro se pôs, Júpiter nasceu. Em seguida, de meia-lua, pouco mais, banhava o sertão de asfalto.

A manhã chegou límpida, com luz outonal. Aqui, há mais flores que folhas a atapetar o chão. A velha paineira dá um espetáculo de parar os transeuntes - parabéns pela sua paineira!, diz a senhora que parou o carro adrede para o elogio. Tenho o ímpeto de lhe responder que o diga a ela, à árvore imponente, mas calo.

É maior o alarido de grilos agora, de dia, do que foi noite afora, quando me parecia haver um único cantor, embora de voz poderosa, que parecia estar sempre ao lado, por mais que se andasse daqui para lá. Chega um sopro fresco a lembrar que começa a inexorável caminhada para o frio.

Hoje, quando o Sol passar sobre a minúscula cidade de Manta, em uma ilha a oeste do Equador, vai também deixar o hemisfério sul e inaugurar sua temporada no norte. Aqui e em toda faixa leste brasileira serão 15h26 nos relógios. Pelo Tempo Universal de Greenwich, 18h26 (GMT).

A amiga e fotógrafa me ligou outro dia e disse que a natureza era maravilhosa, pois a qualidade da luz já mudara. Hoje, ao abrir os olhos para o sol da manhã, pensei: sim, outono, a estação da luz. Depois, vieram nuvens do mar e toldaram o sol e a umidade aumentou e parecia penetrar em tudo. Em verdade, mal temos estações.

Poucas de nossas árvores ousam a nudez, ao contrário das gentes. Se for tempo de muita chuva, não se importam de dar floradas extras e frutificar com abundância e fora dos prazos. De certo modo se poderia corrigir Caminha: "aqui tudo dá, até mesmo sem se plantar".

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