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Fábula

20/08/07


Pegou a mão dele como se fosse sua e montou o branco corcel imaginário, viajante de mil sonhos e mil pesadelos e o abraçou com força a galopear pelas campinas que Dionísio espraiara.

Deuses brincam conosco e, ali, dir-se-ia que os fizera títeres, inábeis para calcular ou estariam apenas bêbedos demais. De todo modo, o raio caiu muito perto e os chamuscou e na madrugada fria ela desenrolou o cachecol de seda do pescoço esguio, na malícia dos ébrios e, antes de sair, o deixou escorregar pelos dedos e cair sem som.

Dois ou três dias depois, refeito de excessos e abusos, ali encontraria o perfumado pretexto para a reencontrar... O Acaso ou outros deuses, todavia, atentos, intervieram mais uma vez.

Por que se busca resgatar o prazer bebido, a beleza desfrutada, o gorjeio de ontem? Por que em nosso rio, a vida em nós, nos aflige o constante fluir das águas? Por que tanto empenho em registrar, classificar, colecionar? Agarramo-nos ao ramo da margem mas, na enxurrada, vai-se a margem com o ramo, a árvore e muito mais.

A cachoeira nos espera, mais cedo ou mais tarde, mas agarramos com força o graveto em busca de segurança. Como senhores da Idade Média com suas pontes levadiças e fossos ao redor de castelos ou os de hoje, que se sentem seguros atrás de reforçadas contas bancarias... Caramba! Ia só dizer que prazer bebido, prazer esquecido e isto não é para lamentar, é muito saudável e desentope o caminho para que a vida possa fluir, cristalina, sem represas, sem temores, sem ganância ou avidez, dia após dia, mês, após mês.

Ela se foi, para muito longe, sem deixar qualquer rastro além daquele perfume que, para um olfato vagabundo, levava ao lenço de seda finíssima, véu delicado e multicor, propício a evocar sonhos, devaneios e alucinações naquele que, à margem do rio, se deixasse envolver pelo que não é.

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