Crônica do dia
Publicação esporádica, destinada a se perder como o mugido da vaca que, todavia muge, apesar da declaração expressa da inutilidade de seu berro.

 

Fadas e demônios

15/01/08

Ela me sussurrou no ouvido: mente, inventa, cria personagens... ainda mais você, ermitão obstinado. Ninguém saberá se é fato ou ficção. Jamais poderão conferir a amplidão de teu horizonte ou a profundidade de tua caverna. Esculpe o que te der na telha com verbos e adjetivos à guisa de mármore.

Sussurrou-me e se foi como as fadas sempre fazem, mas o rastro luminoso de suas palavras ainda luz como néon em mim, mas o deserto de personagens reais se prolonga idéias adentro - em vão procuro o que cronicar.

Um farrapo de passado, alguma frase sugestiva ou uma cena tragicômica, algo que pudesse insinuar a próxima crônica, tudo me surge como peixes de diferentes formatos e cores rentes ao vidro do aquário para, logo depois, sumir.

A flor que se abre imensa e branca ao anoitecer e exala seu perfume, que até o precário nariz humano percebe ao escurecer. Inebriante ao homem e irresistível às abelhas, que chegam em número cada vez maior e mergulham no cálice profundo onde reflexos verdes matizam o alvor. Os insetos vão e vêm pela haste firme que define o eixo da simetria pentagonal da flor.

E daí, diz-me aqui ao lado Satanás, uma legião de poetas já cantou melhor cada e toda flor, um batalhão de biólogos já contou melhor e até explicou com precisão. E daí?

"Choveu, choveu e a chuva jogou" muito "barraco no chão" e nem mesmo se ouviu o choro de algum violão e no palco o político continuou canastrão e a moça bonita, ensaia para cair no sambão e eu, não agüento mais rimas em 'ão' enquanto o diabo ri e não dá sugestão... Ah, não!

O mosquito zanza rente à mesa e me distrai. Vapt! Um tapa violento o destrói. Mato outro ser, com uma indiferença divina que não me cabe. À lupa, quase não se pode ter certeza de ser mesmo o pequeno díptero, tal a brutalidade do golpe. Chegará a nossa vez. Vapt! - e, ó, vupt!

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