autora: Mima 

Flagrantes avulsos

07/02/17

Caminhava pelas calçadas largas da Atlântica quando, em uma mesa posta rente à passagem, vi duas moças conversando diante de duas taças grandes de vinho branco. Quando passei, uma delas pegou um objeto incomum, prateado, terminando em um fino tubo e o levou à boca. Em seguida soltou uma baforada de fumaça como um fumante qualquer. Imaginei tratar-se dos tais cigarros eletrônicos. Não sei, nunca vi um.

Duzentos metros adiante, vejo um jovem, negro, vestindo uma camiseta branca muito encardida e bermudas estampadas com uma padronagem elegante cujo nome ignoro, mas bastante comum nas imagens de ingleses. Parado de costas para a rua, ele começou a soluçar enquanto eu me aproximava.

Depois, começou a chorar convulsivamente e, quando já me encontrava perto, se sentou no chão, abraçou as pernas e deitou o rosto sobre os braços. Pareceu-me ouvir algo como "mamãe" entre seus soluços, mas era impossível ter certeza. Parei diante da cena. Ele não me viu. Depois de um tempo, segui meu caminho.

Poucos passos à frente, parei e voltei-me para olhar. O rapaz já se levantara, mas continuou lá, parado. As pessoas olhavam, mas ninguém ousou se dirigir a ele. Eu, tampouco, o abordei e, mais uma vez, peguei meu rumo para, logo adiante, ter minha atenção atraída por outros sons.

Duas senhoras vinham em minha direção, de braços dados e, sim, era uma delas a reclamar falando alto, dizendo não querer e mais coisas incompreensíveis com voz muito aguda. Passaram. Novamente voltei-me para olhar na tentativa de entender. Vinha, no sentido em que eu ia, uma terceira senhora. Ela, ao me ver surpreso com a cena, tentou explicá-la.

Para ela, a dama reclamava por não querer passear mas ser obrigada a tal. "Tem mais de noventa anos", ponderou e contou também cuidar de "pessoas assim" e emendou outras histórias até nossos caminhos divergirem.

Tue, 7 Feb 2017 18:04:43 -0200

lindos flagrantes! fiquei com pena do moço

      sem assinatura

Eu também. Ele me perturba ainda...
A Vida nos desafia a cada esquina.


Mon, 20 Feb 2017 17:03:32 -0300

Pois é mas é assim mesmo: as pessoas abandonadas ficam mesmo em silêncio pelas ruas. E a maioria nem se mete, nem liga. Inclusive porque a maioria está quase sempre com pressa, né? E no fim, a gente acha que não tem mesmo nada a ver com aquele senhor chorando convulsivamente. Triste universo, né? E vamos indo adiante sem olhar pra trás...

bjo

      sem assinatura

Belas palavras, bela visão!

Sim, e fui mais um a seguir adiante (ainda que tenha olhado para trás) como se não me dissesse respeito o choro do rapaz...

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