Pelas notícias lidas e ouvidas (não assisto noticiário na televisão) me parece estar a internet se transformando em uma rede de fofocas do tamanho do mundo.

Escutei, também, sobre a preocupação de instituições e governos com relação às possíveis consequências da divulgação de mentiras como se fossem notícias verdadeiras.

Jornalistas e outros órgãos responsáveis pela divulgação de informação já discutem formas de exercer um maior controle sobre a difusão de boatos, maledicências, mexericos, difamações, enfim, fofocas através da internet.

Nos debatemos mais uma vez em torno de recursos valiosos e de ocasião: sem dúvida, o grande tesouro de nosso tempo é a informação, hoje, melhor cotada do que fontes de energia, minerais raros ou grifes famosas.

Nesse cenário a fofoca surge como arma eficaz de terror. Há séculos a humanidade usa a mentira para influenciar preços no jogo do chamado Mercado ou obter vantagens em outras disputas, mas o atual espanto vem da amplidão e velocidade de divulgação da internet e suas incontáveis redes sociais.

No entanto, se de fato a fofoca teve importância vital na evolução do ser humano como se afirma, não se deveria temer a ação das redes de boatos e inverdades criadas com segundas intenções e motivos inconfessáveis. Poderíamos depender delas - da divulgação de fofocas pelas redes sociais ou globais - para a humanidade fincar pé em seu próximo patamar...

A importância da fofoca há milhões de anos era a mesma propiciada hoje pelo Whatsapp e congêneres: troca de informação, ainda que sem a eficácia da internet. De boca a orelha qualquer mentira levava muito mais tempo para chegar a um número muito menor de pessoas.

Não seria melhor, me pergunto diante de tudo isso, se vivêssemos sem necessidade de mentir, falar mal, fazer intriga, bisbilhotar e coisa e tal?

Tue, 14 Mar 2017 10:21:49 -0300

Com esta me lembrei de um antropólogo e primatologista inglês, Robin Dunbar.
No livro abaixo, ele desenvolveu uma tese engraçada: em vez das hipóteses mais clássicas de que a linguagem
se originou na relação mãe-bebês e/ou para facilitar a comunicação e partilha de estratégias na caça cooperativa,
ele sugere que, no ser humano, a linguagem nasceu e evoluíu com a função de fofoca, o que seria análogo à função
do grooming nos outros primatas: estabelecimento e fortalecimento de vínculos interindividuais e redes de relações nos grupos
(ou seja, estrutura social).

Pelo pouco que sei de redes sociais, imagino que a função destes seria análoga - em tese, porque
não envolve contato (físico) pessoal, não é? Na prática, os mecanismos e as implicações são diferentes...

Pena que eu não me lembro mais da argumentação dele. Um dia, quem sabe, compro o livro pra reler... Só me lembro que,
em uma das vezes em que fui à Inglaterra, tentei marcar um contato com ele, mas não deu certo.

Bjs
Ana
·

Dunbar. 1997. Grooming, Gossip and the Evolution of Language. Harvard University Press. ISBN 0-674-36334-5 

Ana,

Uma das grandes surpresas para mim no "Sapiens - Uma breve história da Humanidade", do Harari, foi a importância dada à fofoca para a nossa evolução. Depois disto, peguei o livro do Gaiarsa, "Tratado Geral sobre a Fofoca", mas ainda nem comecei: estou lendo muita coisa ao mesmo tempo...

Como você disse outro dia, estamos sempre aprendendo. Adorei a comparação com o grooming, me parece muito plausível. Vou me informar mais sobre esse hábito antes de voltar a dar palpite para não virar... fofoca.

Sat, 18 Mar 2017 17:46:28 -0300

Por isso se diz que estamos vivendo na era da pós-verdade. não sei porque não chamam logo de mentira

      sem assinatura

Nunca ouvira "pós-verdade" como adjetivação de uma época, mas testemunho avassaladora para as tais redes sociais.

Ligo o rádio, por exemplo, e logo imploram pela participação do "ouvinte", querem que acompanhe por essa ou aquela rede, desafiam-me de todas as maneiras a interagir... Desligo. Tenho cada vez menos paciência.

A informação virou arma e mal se sabe o que se busca...