auto-retrato [1987]

Gente pelo ladrão

31/03/09

Oitocentos milhões! É um bocado de gente. Dá, mais ou menos, quatro brasis, contando todo mundo, do último a chegar ao prestes a se apagar. Com precisão - a imprecisa precisão das estatísticas - são 793 milhões, 458 mil 925 pessoas a mais no mundo do que em 31 de março de 1999 - há apenas dez anos! -, quando aqui se publicava 'Continhas', cheia de exemplos da absurda repartição dos bens de que nos apropriamos e inventamos.

A humanidade estava na iminência de chegar aos seis bilhões, pelas estimativas do bureau do censo do governo norte-americano. Era irresistível dividir por seis os bilhões disso e daquilo, proclamados por seus donos para maior glória de cada vaidade. É provável que o compartilhamento da riqueza do mundo tenha se tornado ainda mais cruel nestes dez anos e muita coisa mudou na corda-bamba onde se equilibram as nações, mas hoje, a mim espanta o número absoluto, não o número, abstrato, me assombra o mundão de gente a sair por todo ralo, por todo ladrão - é gente demais! Sete bilhões, logo, logo.

Volta-me sempre à lembrança, um experimento de psicologia (ou sociologia?) onde se confinava uma população de ratos a crescer e se multiplicar segundo preceitos bíblicos. Depois de certo tempo e ao atingir um ponto crítico - em número de ratos por espaço e comida disponível -, os animais começavam a se agredir, depois se matavam uns aos outros e, por fim, chegavam ao canibalismo.

Contemplo hordas, Paulista a cima, Paulista a baixo, multidões de pessoas e de motores à explosão, e contraponho, na imaginação, tanta tecnologia, tantas benesses da ciência, tamanho progresso e tamanha opulência a um mundo de cem anos atrás, sem nada disto mas, em compensação, onde apenas menos de dois milhões de humanos perambulavam sobre a delicada pele da Terra...

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