Crônica do dia

Gritos

06/09/05

Cinco e quarenta. Um grito inédito vem de noroeste. O dia mal clareia e ainda com os últimos esgarçares de serração. Parecia grito de dor de um cão ferido. Corri. Sem querer, acordei o velho companheiro. Espreguiçou-se, alheio ao grito que insistia. Segui, a procura de uma explicação para um som tão insistente, cheio de dor e angústia. Na vizinhança, cachorros começaram a latir. O berro estranho despertava para a terça-feira. As casas, ainda com as luzes externas acesas e muitas das internas, também pareciam mais artificiais e mais amareladas na luminosidade azulada do amanhecer.

Passou um morcego em vôo baixo. Voltei para fechar uma porta, que deixara aberta. Lá estava ele, a gritar. Envolto pelos restos de neblina e contra a luminosidade do céu, encarapitado no alto do pé de chico-magro, o jacu. Seria mesmo jacu? Com o corpo quase horizontal, o pescoço bem esticado para a frente, gritava como um desesperado. Um som entre um ganido e o gluglu forte do peru. Percebeu quando cheguei, gritou ainda e se foi.

O que o levaria a gritar daquele jeito? Por quê? Os jacus, por aqui, sempre aparecem em dupla, um casal, creio. Em certa época, vinham dois casais. Estaria com aquele grito chamando pela companheira ou companheiro? Ou, mais provável, suponho pelo som que ouvi, extravasando um lamento por recente vitória de um gavião, que tem insistido nas investidas nesses últimos dias?

De fato, há um gavião negro como urubu, com a metade de baixo das asas, branca, do meio até a ponta, que nos últimos tempos ronda em vôos rasantes, por esses lados. Seu vulto e suas investidas chamam atenção.

Ontem, por volta do meio-dia, gritos agudos me levaram à janela. Um bem-te-vi, a uns dois metros, gritava desesperadamente. Saí. Ele se afastou um pouco, mas continuou a emitir seu alerta. Olhei para o alto e vi, em sua ronda, o gavião.

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