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Idolatria

23/03/17

A cena me permanece vívida como se fosse uma lembrança de ontem: de repente, ele se virou para mim e perguntou de chofre: "quem é o seu ídolo?" Fazíamos, na época, um trabalho para um público adolescente e os ídolos da juventude eram um dos temas a serem por nós abordados.

A pergunta me deixou estarrecido. Nunca me ocorrera ter ídolos, fossem quais fossem, e balbuciei desnorteado: "como assim, ídolo, eu não tenho ídolo..." transferindo ao meu interlocutor a perplexidade como se falássemos línguas distintas. Ele prontamente observou: "como não, todo mundo tem um ídolo!" pondo-se, em seguida, a enumerar cantores populares, jogadores de futebol, artistas da televisão, do teatro, do cinema etc.

Minha estupefação crescia e as engrenagens de meu cérebro forjavam sentenças como "jamais idolatrei ou idolatrarei essas pessoas" ou "sou avesso a qualquer idolatria" e lembrava do Bezerro de Ouro, mas logo acudiu-me minha imensa admiração por Einstein ou Bach ou Darwin ou Newton ou... e o rol poderia se estender páginas a fio.

Por que seria diferente idolatrar um cantor popular ou Gauss? O craque de futebol ou madame Curie? A estrela da novela ou Beethoven? Pareceu-me, então, ser a idolatria em si o mal a me desnortear e, confesso, não lembro como nossa conversa se encaminhou ou acabou.

Certamente o termo causou-me espécie. Se perguntado sobre minha admiração por grandes vultos da humanidade, provavelmente começaria a enumerar os já mencionados sem qualquer espanto ou inquietação.

Outro dia, em conversa com uma amiga, veio à baila a música de Bach. A certa altura ela comentou: "ele é absolutamente genial, o maior de todos..." e, após uma pausa pensativa, concluiu: "por que surgem tão poucos assim, geniais como ele? São tantas pessoas no mundo, gerações e mais gerações e é tão raro aparecer um Bach".

Thu, 23 Mar 2017 12:53:44 -0300

A Anucha teria sido seu ídolo?
Adorei a crônica, bem escritíssima, forma e conteúdo, não consegui parar de ler até o ponto final, apesar de estar com pressa, tá na hora de ir.

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Curioso, escrevi na correria também. Inclusive foi com um erro corrigido posteriormente no sítio do clode: onde está "o maior do que todos" é "o maior de todos".

Nunca vi minhas paixões como ídolos. Acho que é uma coisa de geração. Aprendi com papai a cultuar Einsteins e Bethovens, mas não usava o termo ídolo...


Fri, 31 Mar 2017 10:04:12 -0300

Oi, Clôde
Estive meio indisposta e só hoje li sua crônica - muito legal. Acho que vai uma distância grande entre admiração e idolatria.

Bjs
Ana

Oi, Ana,

Espero que estejas plenamente restabelecida.
Creio que em nossas juventudes não tínhamos "ídolos", ou estou enganado?

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