Instituto

 

Instituto de Baixos Estudos Roteirísticos da Alta Carapicuíba. Não se trata ainda de um fato, digo, de um feto, nem mesmo um embrião - uma gástrula, talvez. Aconteceu em abril, num domingo quase quente de muito azul. Basílio fez um comentário corriqueiro sobre a mulher, a cultura e o machismo - qual era mesmo? - impossível lembrar, mas tanto faz, importa mesmo o que se seguiu e fez esquecer o antes e encher de quimeras o depois.

Diante da observação, Alice retrucou de bate-pronto não poder ser coisa cultural, portanto machista mas, sim, de fundo biológico, e deu o exemplo: "basta colocar um homem e duzentas mulheres numa ilha deserta e, em outra ilha, uma mulher e duzentos homens, para ver o que acontece em cada uma..." Aí estava, leitora solitária, - solitária como leitora, apenas - aí estava o embrião, a célula fertilizada, que poderia gerar o Instituto de Baixos Estudos Cinematográficos e Roteirísticos da Vila Diva. O nome já se aprimora: Diva, a deusa.

Bem-vindos à nova escola que ainda não há. Nos tempos de globalização deslavada e safadezas dissimuladas, nos apressamos em tirar da manga do colete - sei, sei dona Sabrina, colete não tem manga e camisa não tem bolsinho, mas o truque dessa mágica, que tira um ás do bolso do colete e aquele outro, do colarinho da camisa, esses truques já foram desmascarados pela mágica da televisão - tiramos, pois, da manga do colete um modelo pronto e aprovado para nossos estudos, que não pretendem as alturas de institutos franceses. É somente um jogo, quer jogar?

Discutimos juntos o desenrolar de nossa história - nossas histórias, uma em cada ilha, com as peculiaridades de suas populações. Discutiremos todos, uma história de cada vez. A narrativa vai tomando forma ao sabor dos palpites. As idéias, mesmo as mais estapafúrdias, são sempre bem-vindas, mesmo que sirvam apenas de trampolim para novas idéias e desapareçam no final. Pouco importa.

A mim, calhou o grupo da ilha dos homens, para começar. Duzentos homens e uma linda mulher. Ninguém disse que era linda, mas é óbvio que só poderia ser. Se fosse feia, disforme, insuportável ao olhar... bem, o filme seria outro. Teríamos um thriller de terror, com cenas de canibalismo talvez. Depois, há as regras inflexíveis da máquina de fazer dinheiro de Hollywood: a estrela tem que ser linda. Sempre é. Não havendo possibilidade de outra personagem feminina, sem atriz coadjuvante, sem nada, torna-se uma fatalidade: temos uma ilha, duzentos homens e uma linda mulher...

Ora, alinhavo a primeira estrutura que me veio a cabeça, como ponto de partida, só para começar. Passado o tempo necessário para organizar o básico - onde arranjar água doce, comida, abrigo etc., tempo suficiente, também, para os níveis de testosterona chegarem a um ponto crítico, começaria uma disputa feroz que, em pouco tempo, se transformaria em verdadeira guerra, cada vez mais absurda e mais desumana. Logo a população da ilha estaria reduzida à metade, ou menos. Isso não tem nada de inverossímil e creio mesmo que, a julgar pelo que se vê no mundo real, supor que a metade da população sobreviva, depois das primeiras batalhas denota até um certo otimismo. Afinal, o mundo real está cheio de mulheres, nem todas lindas, é verdade, mas há também as bonitas, as bonitinhas, as passáveis e, não podemos nos esquecer de que olhos bêbados, qualquer que seja o motivo da embriaguez, descobrem belezas onde olhos comuns jamais poderiam suspeitar!

O espaço acaba antes da terrível narrativa que me ocorreu! Péssimo? Não, melhor assim. Afinal, não foi essa a estratégia tão bem sucedida de Sherazade? Fica o desafio e o convite para novo encontro no Instituto de Estudos Miúdos Cinematográficos e Roteirísticos das Divas Perfumadas em Lânguidos Divãs - era esse o nome? - o convite para você enviar um instantâneo de sua imaginação e a promessa de outras noites, mil e uma, quando se exporá o desfecho macabro de "A Bela e as 200 Feras".

Ah, gástrula? Forma embrionária com dois folhetos e uma cavidade.

 

Publicada em 12 de abril de 1999

 

 

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