autoria: José Lauro

Janelas

07/12/16

A muralha de janelas me tolda a visão. Suponho em cada uma encerrar-se o mistério de uma ou mais vidas com as tormentas e venturas do humano conviver ou, eventualmente, o silêncio da solidão.

À noite, diferentes luzes dão asas à imaginação. Algumas aconchegam, outras não. Existem as feéricas como se fosse ostentação e outras, esverdeadas, tímidas, a evocar preço e engenho por trás de tanta iluminação. Enquanto as janelas apagadas, cheias de escuridão, sugerem outras lucubrações.

Na medida do girar da terra para o leste em busca do sol muitas se apagam ou têm suas luzes atenuadas. Em algumas a luz bruxuleia pela sucessão de imagens nas telas de televisão.

De vez em quando surge alguém à janela para espiar a noite de poucas estrelas (Órion assoma do sudeste) ou para fumar um cigarro ou falar no telefone celular.

Em nenhuma das centenas de janelas ao redor aparece a baratinha com sua fita no cabelo e seu dinheiro na caixinha em busca romântica de algum noivo para com ela se casar, mesmo se fosse um João Ratão...

A noite avança e, é óbvio, poderia em qualquer uma delas estar acontecendo um assassinato neste momento e, como não se cobra ainda pela imaginação, por que não supor no cubículo ao lado um pai zeloso a cantar com ternura para ninar seu bebê ou, quiçá, no prédio vizinho, uma adolescente sozinha, debruçada sobre o vaso sanitário, a vomitar num turbilhão indesejado provocado pelo etanol.

Dizia o Millôr: "livre pensar, é só pensar". Lembro-me então de outras vizinhanças e penso: na certa ouviríamos ensaios se morassem músicos nas imediações…

Agora, Sírius resplandece onde há pouco se espraiava o gigante Órion, a confirmar nossa rotação. A mais brilhante das estrelas surge um pouco mais ao sul no céu da cidade iluminada demais.

Apaga-se enfim a janela destas veleidades quase solsticiais...

Wed, 7 Dec 2016 12:02:09 -0200

vamos fazer um livro não pela repercussão ou lucro que possa advir mas pelas novas geracoes ,onde ele seria muito útil pelo olhar cristalino e não convencional na nossa atual idade das trevas

      sem assinatura

Fora o "atual idade das trevas", fiquei em dúvida: se trata de um convite ou uma informação?


Wed, 7 Dec 2016 17:22:02 -0200

Me lembrei todo o tempo do Hitchcock de "Janela Indiscreta". Acho que em algum desvão do seu inconsciente ele lá estava.
Ótimo texto.

Grande abraço

Ebert

Só depois de vir morar neste apartamento de fundos atentei ao nome original daquele filme, "Rear Window" e passei a lembrar-me dele com muito mais base. Agora, sua presença é permanente... Não se trata, pois, de mera presença em um desvão do inconsciente. Obrigado. Outro abraço do mesmo tamanho, c.

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