autorretrato 

Manhã de verão

22/01/13

Quando o sol contrastou os cumes das árvores mais altas nesta encosta voltada para o poente, o termômetro indicava quinze centígrados. Hoje, dia vinte e dois de janeiro, um mês após o solstício que assinalou o início do verão por aqui. Todavia, pela manhã se foram as últimas nuvens do espesso manto a nos privar das estrelas, inclusive o sol, por tantos dias. O céu límpido restabelecia o azul essencial ao bem-estar da alma, ainda que não saiba o que alma seja.

Pequenas nuvens baixas corriam apressadas vindas ora do sudeste, ora do leste. Na manhã singularmente silenciosa, os bambus Brasil compactados pela falta de espaço, produziam um ruído grave conforme os ventos os obrigavam a se roçarem uns contra outros, um barulho a evocar o som das grossas cordas de amarração do navios no cais do porto quando esticadas por força do constante ir e vir do mar. Passaram duas maritacas com suas vozes poderosas a gritar, fizeram meia-volta e cruzaram muito rápido o azul no sentido oposto. A manobra se repetiu restaurando a direção original. Calaram-se ao pousar entre os ramos do liquidâmbar.

Uma hora depois, mais ou menos, as pequenas nuvens que não aparentavam qualquer ameaça, puseram-se entre nós e sol. Foram-se o brilho e o contraste essenciais ao regozijo da alma, aquela que não sei definir. Dois sabiás saltavam em pulinhos curtos pelo terreiro, em vez de andar. Dois sabiás ressabiados como todo passarinho, desconfiados e assustados, sempre prontos a voar. Os ventos se acalmaram e os bambus calaram. A encosta oposta, voltada ao leste, se apagou. Quando criança, muitas vezes vi meu pai vir abrir a janela do quarto cantando "viva o sol / o sol da nossa terra / vem surgindo / atrás da linda serra".

De todo modo, quinze graus no dia 22 de janeiro desmente o verão que o calendário acusa.

Tue, Jan 22, 2013 3:09 pm

uau!!!

você lembrou dessa canção que o pai cantava?

pra mim, agora, foi quase uma primeira vez.

santa memória, a sua.

beijo, mermão

Uma explicação cabível seria por ter você ocupado seus registros de memória com uma infinidade de assuntos, viagens etc. e eu, vagabundo por natureza, dispor ainda de bancos de memória vazios... Sei lá!

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