crônica do dia

 

Melindrosa

17/11/00

 

Melindrosa - o adjetivo chegou nítido, após ecoar em satélites. Com a palavra quase esquecida o jornalista brasileiro, em Tóquio, qualificava a situação do governo japonês.

Melindrosa, se não em engano, já foi corte de cabelo e roupa femininos. Acho que também foi título de canção. O dicionário assinala, no feminino, como brasileirismo obsoleto: "mocinha afetada, exagerada nas maneiras e no vestir."

Hoje, um jovem mal conhece a palavra. Aí, o perigo. Não pela melindrosa, óbvio, mas por outros esquecimentos. Na verdade, nem são esquecimentos, pois é impossível lembrar o que aconteceu antes de se nascer.

Voltam sinais de um nacionalismo burro e destrutivo, que marcou a ditadura militar. Desconhecer esse período infernal, o terror e a violência de um inimigo todo-poderoso, com critérios absolutamente arbitrários, ameaça com a volta da situação abominável. Aí, o perigo!

O governo do sociólogo deslumbrado dá sinais de conivência com práticas abjetas: estímulo à delação, espionagem política, vistas grossas à corrupção etc. Tudo lembra as imundícies dos ditadores.

Anteontem, num jogo de futebol a corrupção, quer dizer, a seleção, lutou pelo verde sem amarelo. Torcedores irritados começaram a jogar suas bandeiras no campo. Por razões aerodinâmicas, a maior parte não atingiu o alvo, mas a chuva de bandeirinhas deu bela imagens.

Logo surgiram locutores, comentaristas e gente com com a boca no microfone a dizer que era absurdo, desrespeito a símbolo da pátria e outras besteiras. Tudo em tenebrosas recordações dos tempos da ditadura, quando proibiam, pois estavam com a ditadura nas mãos, tudo a qualquer pretexto. Amavam "símbolos da pátria" - a bandeirinha, o hino etc. (ainda não se incluía aí a fazenda do presidente).

Naqueles tempos, se bem me lembro, a coisa pegou fogo quando se usou um biquíni estampado com a bandeira nacional, a imitar a foto de uma modelo famosa com a bandeira inglesa em minúsculo maiô. Aliás, a bandeira de sua majestade vivia em toalhas, colchas, tapetes, calcinhas etc. Por decreto, a brasileira era proibida. Proibir era uma das especialidade da ditadura.

Não acredito na eficácia de brandir a memória dos velhos como alerta à juventude e repetir, só mesmo o que disse o repórter no Japão: a situação pode ficar melindrosa...

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