desenho do autor

de esporadicidade imprevisível

O espanador

03/05/18

Um rapaz alto, magro, com uma compleição esguia, vestindo uma camiseta branca, surge na janela dos fundos do prédio comercial, leva seu cigarro aos lábios, aspira e, enquanto solta sua baforada, mira o pátio do edifício Ceará, vizinho, e atira com um peteleco a guimba ainda a queimar, mas não lhe imprime suficiente energia e a bituca cai no pátio do seu próprio condomínio, não muito longe de sua janela.

Passam-se quinze minutos e chegam ao pátio, a cobrir as garagens da copropriedade, dois funcionários com macacões azul anil, dois homens, um mais velho e um pouco calvo, outro mais jovem e pouca coisa mais alto. Cada um de posse de uma mui larga vassoura, se dirigem para extremos opostos da vasta área de cobertura e se põem a varrer o chão. Amontoam o lixo acumulado em pequenas pilhas para serem depois removidas.

Aos olhos do rapaz alto, magro e fumante era apenas uma bituca, os dois ou três centímetros finais de um cigarro queimado, uma guimba insignificante que não poluiria mais o planeta já tão maltratado pelo bicho-homem. Ao seu gesto descuidado, se seguiu a remoção de seu lixo e muitíssimos outros atirados àquele pátio por gestos automatizados, inconsequentes, de pessoas da vizinhança. Pela ausência da consciência no agir de cada um.

A grande área, agora varrida, voltou a estar deserta como de costume e um bem-te-vi e uma rolinha ali pousaram em voos rasantes para beber água da poça escorrida do tanque. Ocorreu-me imaginar a inexistência dos varredores. Imaginar as milhões de bitucas de cigarros ali lançadas ao longo dos muitos anos de existência daquele pátio. E lembrei-me de minha implicância com o espanador, por achar que ele apenas muda a poeira de lugar.

Como para todas as outras coisas, a única solução verdadeira vem da mudança do ser humano e não das regras de sua sociedade.

Thu, 3 May 2018 14:49:48 -0300

como você descreve bem! já deve estar cansado deste meu mantra, mas acho incríveil sua habilidade de nos transportar para a cena ou - no caso - para o posto do observador da cena. Acho que faltam:”um” em Cada de posse “m” em e voos

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De fato, existiam ambos os erros. Posso dar a desculpa da pressa, pois já era a tarde de hoje, mas sou uma negação mesmo como copidesque de mim.

Obrigado pela correção e pelo mantra, desencadeador do meu: elogio vindo de você é sempre suspeitíssimo.


Fri, 4 May 2018 09:40:49 -0300

É, amigo - falta de consciência não é fácil remendar...

Ainda sou fumante, e carrego na bolsa uma latinha de balas vazia para colocar as bitucas
dos que fumo na rua. Às vezes dá vontade de abaixar para catar as que estão espalhadas nas calçadas
(choveu, vai tudo pros bueiros- pra ajudar a alagar as ruas ...). Mas essa boa ação já está acima das minhas forças -
se abaixo, é meio complicado levantar, principalmente se estiver com a mochila carregada!

Tão fácil levar um cinzeirinho no bolso ou na bolsa!

Aqui no meu prédio, não pode fumar nem no jardim, ao ar livre (no apartamento eu fumo, claro). Mesmo assim, outro dia havia um aviso
no elevador - encontraram bituca de cigarro no corredor de um dos andares...

Bjs
Ana

Oi, Ana.

Parei com os cigarros ao saber de dois casos de diabéticos que perderam uma perna devido à associação dos dois "males"... como se perder a capacidade de andar fosse mais grave que a de respirar!

Assusta-me sempre a quantidade de bitucas (no Rio é guimba!) pelo chão da Avenida Atlântica. Outro dia, minha neta contou que eventualmente cata uma para levá-la até a próxima lixeira... Aos 19 anos é muito mais fácil abaixar e levantar!

Por causa dessas coisas que no templo de Aquiles, em Delfos, se lia na entrada "conhece-te a ti mesmo".


Fri, 4 May 2018 14:54:29 -0700 (PDT)

Pela ausência da consciência no agir de cada um.

pois eh ...

      sem assinatura

:-)

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