O vencedor

03/01/11

Chegou como quem quer tudo e puxou da algibeira um punhado de porcentagens derramando, por descuido, outros números e inúmeras quantidades. Parecia acreditar piamente bastar-lhe tal instrumental para se assenhorar da verdade e poder manipular números como espada afiada sobre as cabeças perplexas da multidão. Brandia quantidades como axiomas e aspergia porcentagens como juízo final. Tantos por cento, vociferava em tom de verdade irrefutável e ninguém lhe desmentia, desprovidos que eram de bancos de dados, os pobres de números e parcos de porcentagens. Como negar os tais tantos por cento se ninguém contara nem tinha como coletar dados estatísticos ou recensear o que quer que fosse?

Pôs-se, então, a grasnar mais alto seus valores e se sentiu todo-poderoso ao vê-los como argumentos sem contra-argumentação. Jornalistas descuidados se pasmavam com argumentação tão eloquente e impossível de comprovar. Perplexos entre o oito e o oitenta, gravaram e anotaram e rabiscaram para, no dia seguinte, tornar verdade a mentira, com o aval austero de manchetes e o ar sisudo dos apresentadores na televisão. Logo, o povo repetia como reza números e porcentagens, verdades estatísticas passadas ao ouvido vizinho: tanto disso, a porcentagem daquilo e demais cifras. Para maior ênfase, acrescentavam no fim um imenso ponto de exclamação.

Ele, cheio de si, não hesitou e cuidou de fundar um instituto de pesquisa e manipulação da opinião pública. Na primeira entrevista, explicou: no princípio foi o tacape, a borduna e a clava forte, tempos da força bruta; depois, a renda dominou em bancos e ligas, e se cobiçou o metal, ainda que vil e as ligas de renda em coxas feminis; hoje, a arma mais poderosa é o convencimento. Toda religião prova o poder incomensurável da doutrinação. Quem prega e convence, vence.

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