Obrigado

17/10/97


Obrigado, pela sua paciência e persistência, muito obrigado. Depois de falhar tantos dias, duvido até que algum leitor ainda volte aqui, mas se há um que veio, agradeço e passo logo a outras palavras, deixando de lado os problemas intestinos do Mané.

Deveria fazer um juramento público, registrá-lo em todos os cartórios, de todas as capitais, com firma reconhecida, bastante carimbos e belas estampilhas, embora, estas, já não se usem mais. Pegar depois o documento de fé pública, posto que é tudo, sempre, uma questão de fé: fé de menos, fé demais - e publicá-lo com destaque, na seção dos editais dos diários e jornais. Nele garantiria, que nunca outra vez, jamais, voltaria a ser questão abordada nestas páginas o tal tema da paixão. Por medida de segurança, deveria evitar, até mesmo, mencionar a palavra aqui. No entanto, não fiz jura nenhuma e a palavra mais que dita, escrita está. Explico.

Parece impossível falar da paixão sem objeto. Desde do início, era disto que tentava falar. Impossível falar, não - são palavras, meras palavras, é só falar. Mas é absurdo continuar a empregar uma palavra quando se percebe que ela tem, para quem a escuta, um significado totalmente diferente daquele que você lhe quer atribuir. Queria falar da paixão sem objeto e tomei até o título do romance de Mário emprestado: "verbo intransitivo", "que exprime ação ou estado que não passa ou transita do sujeito a nenhum objeto", se apressa a explicar o pai dos burros. Queria falar de um estado cheio de vitalidade, de energia, de capacidade de compreensão. Uma energia como a das estrelas, como a do Sol, que se irradia, ilumina e aquece em todas as direções, sem escolher quem clarear, quem aquecer...

Mas a palavra está tão vinculada à experiência pessoal de cada um, que muitas pessoas se manifestaram, por carta e telefone, criando uma quase unanimidade para discordar deste clode.kubrusly@gmail.com e proclamar, com mais vigor e entusiasmo do que D. Pedro às margens do riacho, como é maravilhoso estar apaixonado por alguém. Algumas das cartas, talvez, ainda venham a ser publicadas neste sítio. Outras, não o serão. As conversas faladas se perdem como registro, apesar do muito que se ganha delas. O entusiasmo ia mais longe atribuindo à paixão poderes curativos variados e, além de sua notória eficácia contra a obesidade, possíveis aplicações contra queda de cabelos e tensão pré-mentrual. Ah, sim, quase esquecia de dizer, sem nenhuma exceção, todas as manifestações foram de mulheres! Ou os homens têm medo de falar das paixões ou conhecem motivos para calar, que eu ainda não aprendi...

O mais fantástico disso tudo, sem dúvida, é o interesse que o tema é capaz de suscitar. Pessoas que andavam sumidas, que não escreviam há muito, de repente, aparecem cheias de palavras! Cheias de palavras, cheias de certezas, cheias de um apaixonado envolvimento com o tema. Ao que parece, a simples menção do assunto desperta uma espécie de nostalgia da paixão. Ou as belas damas de peitos macios - como dizia Suassuna, se não me engano - estão de fato apaixonadas e falam, literalmente, de cátedra, sentadas no alto de suas paixões ou querem, desesperadamente, reencontrar a paixão que as iluminou em outra quadra melhor - necessariamente, melhor, pelo exaltação que pontua seu falar...

Ora, pergunto: não estamos falando de um estado, um estado que se instala em nós e nada tem a ver com que quer que seja, de fora? Malgrado a nitidez com que nos apareça como óbvio, ululante e ubíquo, que a paixão tem seu objeto, direto, diretíssimo, independente de qualquer análise gramatical, não lhe parece igualmente evidente e óbvio, dona Sabrina, que o estado é nosso, só existe em nós, e o que nos fascina e transtorna é esse estado? Não parece óbvio que o ser "pelo qual estamos apaixonados" é meramente uma projeção? Meu deus! Outra palavra perigosa: como será que você entende este "projeção"? Não parece óbvio que, no fundo, estamos apaixonados pelo estado de paixão e que, como Adão e Eva, vivemos o resto de nossas vidas com uma saudade inextinguível do paraíso perdido?

Ah, belas damas de peitos macios, vós estais apaixonadas pelo homem que dorme em cada uma de vós... Não vos deixeis enganar, levando gato por lebre, que nenhum mortal nessa terra se confunde com vossa febre...



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