Crônica do dia
Publicação esporádica, a perder-se como berro de vaca, que todavia muge, apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Papéis

13/05/05

Chega por e-mail texto atribuído a Veríssimo. Título: "Como sobrevivemos???" Será do escritor? Os três pontos de interrogação levantam a suspeita. Afinal, são comuns na internet contrafações. Ao que se diz, seja lá de quem for.

Ali se compara infância e costumes de meados do século passado com os de hoje. Numa visão malthusiana se compara um mundo de 2,5 bilhões de habitantes com outro cuja população é o triplo.

O texto diz: sobrevivemos sem água engarrafada, cinto de segurança, datas de validade, celulares, internet, videocassete e computador. E dá inúmeros exemplos similares antes de concluir que, caso o leitor seja um destes sobreviventes, "curtiu os anos mais felizes de sua vida...".

Sobre o texto talvez comentassem professores daqueles tempos que o autor, seja quem for, pinta de dourado: compara-se infância a velhice e, simultaneamente, hábitos e tecnologias de duas épocas. Seriam os tais "anos mais felizes" os cantados por Casemiro de Abreu? Os "da aurora de minha vida " e, para se ficar com nossos poetas, seria felicidade a árvore de Vicente Carvalho, que não alcançamos porque "está sempre apenas onde a pomos e nunca a pomos onde estamos"?

Diria mais a professorinha, sempre mencionada com algum menosprezo, inofensivo então: sobreviveram também nossos avós, sem antibióticos, liquidificador, automóvel, rádio, televisão e panela de pressão. Como sobreviveram os avós deles, sem luz elétrica, telefone e roupas que não fossem de lã ou algodão e sobreviveram milhares de gerações antes, em condições de menos conforto e mais intimidade com a natureza. Perdendo por um lado, ganhando por outro.

Todos sobreviveram e ainda sobrou tempo para providenciar a próxima geração, sempre maior. Éramos 2,5 bilhões em 1950. Somos 6,4 bilhões agora. De um jeito ou de outro cada geração cumpriu seu papel biológico, de bicho.

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