'Meu primeiro desenho' by  Anucha [1991]

Pausa

25/02/09

Avantajada em primeiro plano, a sombra se impõe ao vulto colorido da mulher em um passo incerto, de olhos baixos e com rosto e ombros emoldurados por luminoso véu, destaque inequívoco na paisagem árida, que une em um mesmo tom as terras do chão, as dos tijolos e massas do revestimento tosco das paredes do corredor.

[imagem da internet]
[imagem da internet]

Imóvel para todo o sempre, a dama envolta em luminosos verdes e azuis-piscina, traz, como toda foto, o mistério de sua essência, o debate antigo de Barthes em seu "Chambre Claire".

Enquanto o filme, a película com camadas de gelatina cheias de sais de prata, agoniza e um mar de pixels transborda em imagens mais e mais detalhadas, quando o computador é capaz, num átimo, de efetuar milhões de operações matemáticas para controlar o aspecto como melhor ao olho apraz, a pergunta do filósofo francês ecoa mais uma vez: "eu queria saber a qualquer preço o que ela (a Fotografia) era 'em si' por que traço essencial ela se distinguia na comunidade de imagens". Bem como, reverberava sua dúvida, exposta a seguir: "eu não estava certo de que a Fotografia existisse, de que ela dispusesse de um 'gênio' próprio."

Quase trinta anos passados e a estudante me questiona, sem a objetividade do filósofo, é verdade, mas com a mesma curiosidade sobre a natureza íntima da Fotografia. Ela não se deparou com a foto do irmão de Napoleão, como Barthes, foi instigada por um professor, que mostrou a foto "O beijo", onde um casal se beija e a multidão, passa, indiferente, borrada por uma exposição longa, enquanto o par, imóvel, se vê nítido.

Não sei se existe tal traço ímpar a diferençar a Fotografia. Nesta, a senhora jamais chegará a seu destino. Quedará imóvel, pé esquerdo à frente, bolsa na mão direita, ar parado a se espelhar em véus estáticos. Esta ruptura com o fluir do tempo ainda me parece a marca registrada da Fotografia, a nos oferecer deleites voyeurísticos impossíveis no fuir. Concordo ainda com o menino: "- Fotografia?... É quando a televisão pára de mexer, fica tudo paradinho e a gente pode olhar as coisas devagar. É o maior barato!"

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