Piadas

 

Parece haver, na Internet, uma febre de piadas. Recebo, pelo correio eletrônico, piadas e mais piadas, em geral, com uma longa lista de destinatários ou, simplesmente reenviadas. Vez por outra, chega uma capaz de arrancar risadas de quem está sozinho.

O hábito de contar piadas há muito me intriga e, confesso, nunca me dediquei a procurar compreender tudo que aí está envolvido. Além do mais, não sou psicólogo. Apenas tenho observado, há muitos anos, alguns sintomas dos contadores e ouvintes das piadas. Agora, com a febre da troca de piadas pela rede, certas perguntas voltam e esperam por uma resposta.

Por que uns sabem contar piadas e outros, não? Por que alguns querem contar uma piada que acham ótima e, na hora agá, se atrapalham todo e destroem a graça da piada? Por que alguns contam uma ótima piada e ela acaba sem graça? A graça está na piada ou no teatro do contador? E todas essas perguntas, no fundo, me parecem a mesma, mas há outras.

Por que, depois de uma longa sessão de piadas sempre sobra, para mim, um gosto ruim, uma espécie de tristeza íntima, forte, que aflora inexplicavelmente? (Outras pessoa já me confirmaram essa sensação.) Por que essa urgência em compartilhar as piadas, em passá-las para a frente, que se torna mais manifesta na Internet? Por que é mais difícil se divertir com uma piada se não houver alguém ao lado, para compartilhar o engraçado que acabamos de conhecer?

É bem provável que um psicólogo encontre um campo fértil nesse vício e possa dar muitas das respostas. Eu, distante da psicologia e um péssimo contador de piadas, confesso, vou limitar-me a tentar contar uma das muitas piadas que ouvi ontem, num delicioso almoço com amigos. Sobretudo porque me parece uma piada que depende muito do mise-en-scène, de caras e gestos, da encenação.

Numa viagem de ônibus, interestadual, o sujeito se ajeita para dormir e, surpreso, vê pela janela a figura da morte, que o encara e o chama, com um gesto. Acena, com olhos lânguidos de uma messalina. Apavorado, ele pede que o ônibus pare e desce, imediatamente. Na beira da estrada, perplexo, assiste ao terrível acidente que destrói e queima o veículo alguns metros adiante.

Alguns anos depois, indo de trem, no leito inferior da cabina, ao se preparar para a longa noite, a mesma figura da morte surge do lado de fora, olha em seus olhos e repete o gesto de chamada. Ele pula da cama, puxa o freio de emergência e desce, imediatamente, sem conseguir que acreditem em suas explicações. Novamente, alguns metros depois, a velha ponte de ferro se parte e o trem se projeta no abismo, diante de seu olhar estarrecido.

Ano passado, ele precisou fazer uma viagem internacional. Depois do sofisticado jantar, quando se preparava para tentar dormir durante as muitas horas de vôo que faltavam, novamente a, agora quase íntima figura surge, pelo lado de fora da janela do avião. Só que, dessa vez, em lugar do olhar doce e do gesto convidativo, tinha uma cara sarcástica e, com suas mãos de esqueleto, fez um gesto muito conhecido: fechando uma das mãos, bateu três vezes com a outra, sobre o indicador e polegar enrolados - top, top, top...

A sensação que me fica é de que falhei, mais uma vez. Mas se não sei contar piadas, vou continuar a procurar as respostas para, pelo menos, algumas daquelas perguntas. Se você souber - as respostas, não piadas - conte, mesmo que não saiba contar.

 

Publicada em 10 de maio de 1999

 

 

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