Publicação esporádica para se perder como inútil mugido de vaca.

Presença de espírito

02/10/12

Incapaz da reação imediata e única verdadeira, padeceria, algum tempo depois, quando lhe ocorresse uma reação, retardada, é óbvio: por que não respondi assim e assado, por que não fiz isso ou aquilo, consumava-se.

Pequeno ainda, via elogiarem o irmão pela presença de espírito, por respostas imediatas e, quase sempre, com um toque de humor. Agora, se perguntava por onde vagaria seu espírito, se é que o tinha, sempre surdo às provocações da vida, alheio ao celebérrimo aqui, agora. Não sabia. A reação apareceria, porém com atraso, horas, dias depois.

Afligia-se, assim, com tais lucubrações, devido a um episódio recente, seu último lapso de prontidão, ocorrido quando em companhia de belas e arrebatadoras mulheres. Uma delas, a mais jovem, em meio a conversa, mencionou seus esforços para emagrecer. Ele virou-se para ela, remediu-a dos pés à cabeça e se certificou da perfeição com que fora esculpida. Aí, protestou com veemência afirmando absurdo retirar dali qualquer grama.

Ela, com espantosa presença de espírito, retrucou de imediato: isso, porque você não me viu nua.

Não, nunca vira e, pior, calou. Somente no dia seguinte lhe ocorreriam alternativas de encaminhamento à provocação, de um simples 'gostaria muitíssimo' a bobagens como 'o inédito é sempre uma possibilidade...', sublinhando as reticências, mas calou. Em si reinava também o silêncio, silêncio que lhe calaria fundo depois.

Lembrou-se de seus quinze anos: a colega bonita, sentada a seu lado, respondera também de bate-pronto ao comentário sobre a cor do batom em seus lábios: ...e tem sabor, este é de café com leite, tenho um outro de framboesa. Ali também, calou. Não pediu para provar. À noite, atormentou-lhe seu silêncio, sua ausência de espírito.

Seria preciso total atenção ao que sucede a cada instante perto e dentro de si...

2 de outubro de 2012 07:54

que máximo! adorei!!!! como sempre, vc conta as coisas com perfeição. nem pergunto se é autobiográfico (gozado, tbm tenho um irmão de espírito presente), mas não posso deixar de comentar: que mulheres oferecidas, hein? o personagem deve ser irresistível!

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Não saberia julgar este comportamento feminino. Poderia ser uma oferta, como você diz, poderia ser espontaneidade e ausência de malícia. É muito difícil saber o que vai no âmago de outra pessoa.


2 de outubro de 2012 13:02

Uau... umas das que mais gostei de ler

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Que bom, pois são feitas para ler!


3 de outubro de 2012 21:00

   claro que esta canetada sua (pode-se ainda falar de canetas?) me balançou bem... fora o óbvio (que lances foram esses com essas duas mulheres? huuummm... ô coisa boa...... ) mas por que vc não deu um passinho a frente, hein? fico só imaginando... escreva mais, meu irmão, escreva, escreva, conte, narre, esmiuce... (nossa!: q palavra mais esquisita)...
   tô esperando a sequência... tá devendo pra todos os seus leitores.

   beijo, meu irmão

      sem assinatura

Bem, falei de dois fatos separados por mais de meio século, o mais antigo, dos bancos da ENBA, Escola Nacional de Belas Artes, no final da década de cinquenta e o outro do dia de seu último aniversário mas, com certeza, ninguém além dos irmãos se interessariam por essas ninharias. A moça do batom chamava-se Ângela e ali, na ENBA, outras moças deixaram outras histórias - algumas, se não me engano, já contei. O fato recente tem outras facetas, sim, mas acho que tenham importância para as contar.

Vamos ver, vou pensar.

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