Crônica do dia
Publicação esporádica a se perder como berro de vaca que, todavia, muge apesar da inutilidade declarada de seu berro.

 

Reflexos e reflexões

09/01/09

Súbito, um pequeno passarinho, menor do que um pardal, surgiu e parou, por um breve instante, em pleno vôo a um ou dois dedos do vidro da janela. Então, em manobra rápida, recuou e retornou ao ramo frágil de onde partira, ou a outro, vizinho. Pousado, se lhe podia perceber melhor feitio e cor: evocava uma miniatura de bem-te-vi desbotada, quase cinza, com um leve amarelado no peito e o dorso mais escuro. Tinha um bico forte e talvez grande para seu porte.

Do galho frágil, flexível, olhou em direção à janela por algum tempo, e repetiu a tentativa. Parecia intrigado, mas não tocou o vidro e, desta vez retornou a outro talo de vegetação rasteira, vertical e ali ficou a olhar a janela - ou, mais provável, o que nela se lhe refletia. Depois, pela terceira vez investiu contra o vidro, parou por um segundo, pois não era beija-flor, e deu a meia-volta-volver rapidíssima, impossível de decifrar, para voltar ao fino ramo de onde partira da primeira vez.

O pequeno ser ainda fez mais duas tentativas. Certamente não podia me ver através do vidro devido às leis óticas que obrigam à refração virar reflexão. Ele não me via a meio metro e eu não decifrava por que lhe atraía tanto a imagem que o vidro lhe insinuava. (Sonharia com o bolo do Zé?) Depois de repetir a manobra pela quinta vez, voou rápido e reto para noroeste.

Quantas vezes teimei e me exasperei com algo que aparentava e não era, ante ilusões de delícias, de fato, sensaboronas. Quanta energia dissipada por nada, por algum fantasma refletido numa janela da alma, por uma ilusão paradisíaca tecida pela imaginação. Quem dera se nesses embates com fantasias de aparência tão real pudesse, como o passarinho, soltar sem esforço o que, há pouco, se me afigurava tão fascinante.

Ah, poder voar leve e sem rastro para o noroeste ou qualquer ponta da rosa-dos-ventos!

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