autor sem barba - 1999  crônica do dia

Publicação esporádica, destinada a se perder como o mugido da vaca que, todavia muge, apesar da declaração expressa da inutilidade de seu berro.

Ressacas e inaugurações

22/02/07


Manhã de ressacas e inaugurações. Inauguram-se os amanheceres enevoados do lado de cá do fim do mundo. Inaugura-se a quarentena da santamadrigreja de jejum e recolhimento e abstinência - roxa quaresma, aqui, de quaresmeiras que se despem das últimas pétalas, em tempo de Natureza tonta, se assim se pudesse adjetivar clima, vida, o imponderável. Inauguram-se os últimos sete dias do mês, seu último quarto.

Este nevoeiro é sintoma de dia ensolarado, dizem. As tardes quentes se refrescam com as notícias de frio e neve que apavoram o norte do planeta. Algum Gepeto, que controla as Estações e seu compadre, que cuida dos termostatos de aquecedores e congeladores do Clima, ou estão muito velhos ou na maior ressaca também. A Terra se assa ao Sol em espeto que gira e rodopia e o verão se esvai de cá e se prepara acolá. Que inverno nos reservarão os dois, ao sul do equador? Mais um mês e estaremos quites: será equinócio e todos terão uma noite igual.

Cedinho, a névoa era densa. Passava quase como nuvem vindo de sudoeste. A uns dez metros já tudo se esbranquiçava. A uns cem, desaparecia. Suas gotículas minúsculas desvendavam um mundo que, quase nunca vemos, embora se teça por toda parte: surgiam milhares de teias e fios de teia soltos a voar ao sabor da brisa. A multidão de pequenas aranhas só se mostra assim ou quando esbarramos em suas armadilhas.

Os pássaros não faziam a algazarra dos dias ensolarados, mas o céu branco mostrava que nossa estrela brilhava forte por trás da névoa e refazia a promessa de céu azul e sol beleza. Domingo, acertam-se os ponteiros com o fuso confuso de outra convenção e as manhãs voltarão a clarear mais cedo.

Os corpos vão se curar e, sãos, aguardarão o vinho, o bacalhau, o chocolate e todos os abusos pascoais. São nove e meia: o céu está azul. O Sol, beleza.


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