Secretária e secretário


27/08/97

Chega um convite pelo correio. Não é imeil, não, dona Sabrina. Correio de sola de sapato e carimbo. Só faltava estampilha e firma reconhecida. Selo, está mais difícil de se ver, mas correio ainda tem. Chega, pois, um convite, desses que ficaram apelidados de mala-direta. Mendiga-se o cliente. Antes de mais nada, a isca: a empresa tal e qual convida para o coquetel de lançamento... Para o coquetel, se avisa logo - vem que tem boca livre, se traduz. E continua, conforme a praxe, avisando o lançamento de um manual ecológico. Sim, dona Sabrina: manual ecológico!

Lembro que ouvi a palavra ecologia pela primeira vez no final dos anos sessenta, começo dos setenta - por aí. Há quase trinta anos. O ar que se respirava era melhor. A água dos rios paulistanos, menos podre. Podia-se ir, de carro, de um lugar a outro, em São Paulo, sem ser de madrugada e, sobretudo, havia menos barulho.

No caso do convite a preocupação era com a água. Menciono o evento - auto-intitulava-se evento, em grandes letras - pelo objetivo assim especificado: "Promover, com a apresentação de representantes conceituados na área, o debate sobre a relação do cidadão com a utilização da água."

Li e reli. Imaginei se apresentariam peixes, polvos, mariscos e, quiçá, até um tubarão à platéia sedenta. Mas era pouco provável., face a enorme lista de nomes e os respectivos créditos, logo depois: fulano da silva e tal, professor peagadê na universidade disso e daquilo. Os peixes não viriam. Estavam descartados os que me pareceram, de início, os representantes mais conceituados na área. Aí, pensei no Ronaldinho, no Romário e, apesar de aposentado, até no Pelé. Afinal, ninguém mais conceituado na área que eles. Pergunte-se aos goleiros. Olhei outra vez a lista. Nada. Nenhum craque. Para a galera do Maracanã, só tinha perna de pau. Tanto faz, disse aos botões, o debate sobre a relação do cidadão com a utilização da água, nunca poderia, mesmo, ser promovido pela simples apresentação de quem quer que seja, por mais conceituado ou mais representante. Fosse quem fosse, deveriam deixá-lo, pelo menos, falar. Desisti.

Porém, ao examinar a lista, descobri mais uma pérola que atiro às feministas. Imaginem a cena. No tal coquetel, discute-se a água e, por via das dúvidas, toma-se uísque. No palco, uma loira de salão do automóvel anuncia, um após outro, ou melhor apresenta, os tais representantes conceituados na área. A uma certa altura, ela apregoa: ... e agora, a secretária Tereza da Silva Pinto.

Aí está. A suposta Secretária do Meio Ambiente ou do ambiente inteiro, não poderia ser anunciada apenas como Secretária. Em princípio, Secretária implica o chefe. É aquela que escreve as cartas do chefe, cuida da agenda do chefe, atende o telefone do chefe, avisa à esposa, que o chefe não está, traz cafezinho pro chefe, faz... Bom, secretária é fogo, ganhou até um dia, como a mãe.

No entanto, a tal lista estava recheada de Secretários. A cena, agora, me soa perfeitamente plausível: a loira dos olhos claros, os apresenta assim: ... e agora, nesta sensacional promoção de debates sobre a relação do cidadão com a utilização da água, vou apresentar um representante muito conceituado na área, o Secretário Otávio da Silva Pinto. E ponto. Ninguém, ninguém da ignara platéia, iria supor que o seu Otávio, mesmo Silva e ainda mais Pinto, fosse um reles funcionário de repartição. Nem me surpreenderia, se alguma deputada desse entrada - não, dona Sabrina, não tem maldade nenhuma, é feio assim mesmo o linguajar de vossos políticos - se uma de vossas deputadas desse entrada nalgum projeto de lei objetivando mudar o nome das Secretarias para qualquer outra coisa, e evitar, destarte, a tão nefanda confusão...

Que tal propor uma ONG para promover a relação do cidadão com o vento? Depois é só descolar uns quatro ou cinco patrocínios, fora os apoios culturais, e convidar todo mundo para o coquetel de lançamento do manual das tempestades...

 

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