auto-retrato [1988] 

Sem leme

28/07/09

Envelhecemos. Já não vamos mais à balada, que não tinha este nome em nosso tempo, nossos compromissos rareiam, nossos encontros com outras pessoas são cada vez menos freqüentes e, então, para não sucumbir ou perder-se no precipício, nosso cérebro se exercita com o lembrar-se do passado. Mero entretenimento com o disponível para manter vivas as sinapses, manter o fluxo de neurotransmissores e pulsos elétricos que fazem de nós o que pensamos ser...

Dirá, porventura, algum leitor imaginativo ser singular o caso de um eremita pois, aguçado pelo isolamento - voluntário ou fatalidade - ter-se-ia um deserto mais vasto em sua mente e esta cisma, em si, assinala a imensidão de nossa solidão. Se estamos apenas em nós, malgrado a paixão nos pinte como unívocos a dois, resta esse emaranhado de neurônios a pedir um trago, uma tragada, um cafuné e se dizer nós, o nosso ser em essência.

O corpo, que encapsula e carrega daqui para acolá esta matéria capaz de pensar, de projetar de si uma imagem ou se supor isto e aquilo, de maquinar sonhos extravagantes ou planos tremendos, ele, a carcaça de ossos e músculos é tanto o indivíduo como o fervilhar de suas idéias, seu consciente e inconsciente, suas tramóias e ardis, seus poemas e bondades.

O computador, de repente, ligou apenas uma tela preta com duas ou três palavras em letras brancas no canto superior esquerdo. Depois de muitas tentativas o coma digital insistia em sua intolerável tela negra como flâmula da morte de tantos dados, há pouco, ali existentes. Por vias tortuosas consegui, enfim, recobrar a tela multicor repleta de pequenas imagens de pastas e outros ícones de uma coisa e de outra - um verdadeiro universo virtual que escapou de virar buraco negro.

Paro aqui para não reinventar a alma sem querer!

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