Silêncio

 

Qual a sua reação ao perceber que uma tristeza grande, inexplicável e súbita toma conta de seu peito? Procura uma explicação? Um meio de afastá-la? Busca alguma coisa para tentar se distrair? Liga o rádio, a televisão? Tenta se ocupar com as tarefas inevitáveis do dia a dia e finge para si mesma que nem percebeu que está triste?

Qualquer uma das alternativas pode funcionar momentaneamente. Explicações são sempre fáceis de encontrar, abundantes e inúteis. Satisfazem apenas à razão e a tristeza de que falo nada tem de racional. Posso achar que tem relação com o tempo, que depois de tantos dias de céu azul e sol beleza, hoje amanheceu cinzento e nublado, com o ar pesado de tanta umidade, por exemplo. Mas a tristeza permanece lá, como um desafio a uma compreensão maior.

O rádio fala sem parar ou toca músicas com letras que cantam os amores de enamorados e as misérias das desditas desses amores. A tevê dá receitas de bolos e entrevista políticos e autoridades nisso e naquilo, sempre prontas a falar dos assuntos que as ocupam. A casa se enche de vozes e sons alheios à vida daquela casa e o contentamento, em geral; forçado, dos apresentadores e entrevistados contrasta com a tristeza, que mesmo abafada, continua lá.

Quase sempre nem é preciso tomar qualquer iniciativa para desviar os olhos do sentimento, pois logo nos vemos enredados nas atribulações e preocupações comuns que preenchem nossos dias. Dizemos que é preciso tocar a vida sem saber muito bem o que isso seja, e nos mantemos ocupados, apesar da tristeza, embora calada, continuar lá.

Ora, falo tudo isso por achar que se deveria dar mais atenção a esse sentimento, que surge assim, sem explicação, sem aviso, numa aparente gratuidade. Talvez a tristeza repentina e profunda esteja tentando nos falar alguma coisa. Aqui, não é fácil ter ouvidos para escutar, pois a cabeça vive cheia de palavras e falas que se repetem automaticamente e seria necessário um certo silêncio para ouvir o que nossa tristeza nos tem a dizer.

Hoje, acordei com a tristeza grande dentro de mim. Não sei por quanto tempo sua voz ainda se fará ouvir, neste dia em que o céu vai passando de branco a cinzento, gradualmente e o vento leve sopra cada vez mais molhado, garantia de chuvas, tempestades, talvez. Alguns compromissos já me acenam e ameaçam a voz de minha tristeza.

O vislumbre de uma trilha de rota inversa, em direção ao centro, ao encontro do observador traz um alento e um temor. Acena com as promessas e os medos inevitáveis do desconhecido. Traz um perfume que parece uma lembrança e o sabor de ameaça do que se pode encontrar quando se caminha em direção a si.

Hoje, fica uma página menor. Calo aqui, embora o silêncio não seja este calar.

 

Publicada em 11 de março de 1999

 

 

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