Tintureiro

26/11/97


Disse uma vez que esta mísera crônica acabara se transformando em uma aventura e, como costuma acontecer, acabei sem explicar porquê. Embora não tê-lo dito seja, em si, uma explicação: é esta a aventura. Idiota, talvez, mas com todas as surpresas que uma boa aventura pode trazer. Tomemos um exemplo para nossa demonstração.

Em outra ocasião meti-me a falar dos ricos, um tema ingrato sobre o qual, em princípio preferiria calar. Tudo que queria era contar um episódio banal, minúsculo e vi a crônica chegar a seu final antes que pudesse a ele chegar. Insisti, no dia seguinte, e outra vez perdi a corrida, o final ganhou e desisti. Hoje, esbarro com outro começo abandonado e percebo que, ainda esse, se propunha a falar da mesma coisa... então, concluo, é melhor falar. O tal começo começava assim:

Um ex-ministro... Dito isto instala-se de pronto a dúvida: de que país, por favor? De que país falais? - rugiria algum leitor, já que se tornou quase uma contradição falar de ex-ministros no Brasil. Aqui, não há ex-ministros. O mais provável é que o cara esteja em outro ministério. Confira, deve estar. Era ministro disso, agora é daquilo. Na pior das hipóteses vira embaixador ou, então, governador. Afinal, o mesmo grupo continua a governar desde Pedro, o Cabral. Se cai em desgraça, vai parar no Conselho Administrativo de alguma Bocabrás ou vira Superintendente de uma Fundação de Amparo...

O ex-ministro, que provavelmente continua ministro - estou tão por fora das safadezas dos políticos que, num esforço de memória, consegui lembrar o nome de um ministro, apenas um! - dizia: o ex e talvez ainda ministro, em outro governo, insistia com uma obsessão de personagem rodrigueana na coisa dos preços relativos. Dava a entender, como sempre fazem, que o país voltaria aos encantos do paraíso apenas, e só, quando os preços relativos fossem, enfim, ajustados. Lembram? Além de ministro nossa personagem era também sócio de uma poderosa cadeia de supermercados... É dona Eufrásia, concordo inteiramente com a senhora, é mais ou menos como colocar a Raposa no ministério do Galinheiro... mas, acontece, aconteceu...

Por outras razões, certamente, as relações de preços também me espantam. Se sofresse do coração já não estaria vivo. Há um ano comprei uma lanterninha num camelô. Vinha com duas pilhas e acendia. Perguntei o preço Quanto? Um real e cinqüenta centavos. Com as pilhas! O corpo, o espelho parabólico, o plástico para proteger a lâmpada, a própria lâmpada (que não queimou até hoje), os contatos e as duas pilhas! Tudo por um real e meio! Incluindo o lucro do camelô, do fabricante e sabe Deus de quem mais por esse paraguais... Pior para o coração é o inverso. Ele leva um tranco diante do desplante de pedir uma fortuna pelo que não vale um vintém... Não sou economista por isso, minha opinião sobre essas questões é primária: há preços absurdos porque há idiotas para pagar...

Agora, ao exemplo adiado três vezes, antes da surpresa de ver o final chegar. A ponte aérea Rio - São Paulo é ótima por reduzir a um terço, ou menos, o tempo de uma viagem enfadonha, como toda viagem. Viagem nos lembra que somos matéria e que levar matéria daqui pra acolá é sempre tarefa ingrata. Se tiver dúvidas, observe os caminhões nas subidas... E, dona Sabrina, a redução de tempo poderia chegar a um décimo, mas toda a burocracia de embarque e desembarque acaba deixando por um terço, no barato, né? Fora isso, a ponte aérea é péssima, em tudo. Principalmente porque finge ser uma coisa para ricos e trata os passageiros fingindo acreditar que eles são ricos. Nem os passageiros de ponte aérea são ricos - rico vai de jatinho! - nem os donos da ponte ignoram isto. Mas fica tudo num ar de falsidade e, a julgar pela aparências, alguns até gostam de ser assim falsamente confundidos com os verdadeiros ricos...

Isso aparece de forma mais nojenta na revista que é distribuída aos falsos ricos: Ponte Aérea. É de lá, dessa páginas que fingem pensar que você é o Bill Gates, que tiro um exemplo exemplar dos "preços relativos" tão mencionados pelo ex-ministro que, talvez, ainda o seja...

Vocês já viram pessoas - devem ser as tais que se rotulam de executivos - carregando nessas viagens um cabide com uma capa, não? Eu, quando via, pensava: deve ser o James Bond, vai chegar no Rio, atravessar a baía a nado e chagar no Pão de Açúcar sequinho e vestindo o terno que leva no tal cabide... Mas a revista dos falsos ricos me ensinou que eles carregam aquilo, como os tintureiros, por pura ostentação. Você sabia? Há uma seção de variedades, na revista, chamada Variety, que anuncia, em forma de matéria editorial, um monte de bobagem, todas para dizer: olha, sou rico, tenho canetas ornadas com malaquita, bolsas de metal prateado, relógios de 3.500 reais, etc. Pois lá está uma das tais capas! O texto é impecável - eu, por exemplo, jamais saberia fazê-lo! - diz: "Assuma seu lado fashion victim." Depois avisa: "... ferragens douradas além de, é claro, a tela com o monograma LV" Chama-se porta-ternos o cabide. E agora, a pergunta: quanto você diria que custa? Pense um pouco, quanto você vai cobrar pra carregar ao logotipo dos outros como os homens-cartaz do centro de São Paulo? Um cabide pelo salário de uns 10 funcionários? Acha pouco? Tá barato? Pois é mais, mesmo! O preço do cabide para os falsos ricos da ponte aérea é R$1.782,00... Boa viagem!




Esta crônica deveria ter sido publicada no dia 13/10. Não tenho certeza se ela chegou a ficar algum tempo disponível. Outro dia descobri que, pelo índice, se chegava a uma página temporária. Procurei, inclusive com alguns leitores assíduos, uma cópia, pois havia perdido a minha. Tudo inútil. Ontem descobri, por acaso este arquivo com outro nome e muitos erros, o que reforçou a impressão de que ela nunca chegou a ser publicada...



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